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Uma garrafa secou e pedi uma segunda ali ao redor da mesa do bar. Oliver e Kevin riam como hienas e falavam sobre casos amorosos de Wendy com outras garotas e eu tentava entender todos os assuntos ao mesmo tempo. Em alguns momentos Brooke falava com Kalel sobre o começo da sua carreira como modelo, e outras vezes Bella falava com Brooke sobre uma usar as roupas da outra. Era engraçado e confuso, continuei quieta. A segunda garrafa já estava pela metade, não podia exagerar, mas já me sentia um pouco tonta mesmo estando sentada.
Eu me sentia um pouco feliz, mesmo entendendo pouca coisa. Kalel olhava para mim com frequência e eu fingia não estar percebendo, talvez ele me achasse estranha ou achasse que eu estava atrapalhando o momento dele com sua família.
-Você é uma gracinha, Harisha!
Disse Wendy e logo depois Kevin e Oliver riram olhando para ela muito bêbada.
-Wendy, acalma os dedinhos aí.
E lá se iam os dois correndo e ela atrás deles querendo espancá-los.
-Você está trabalhando, Harisha?
Brooke me perguntou, neguei entre um gole de bebida.
-Sério? Você é tão magra como modelo e tem cabelos bonitos. As garotas devem invejar você...
Corei levemente. Olhei para Bella sem reação e ela sorriu.
-A Harisha não é de falar muito, é bem reservada, então não estranhem o jeito dela.
Disse Bella. Os gêmeos se aproximavam novamente depois de Wendy chutar a panturrilha dos dois.
-Aqui está muito chato, vamos para outro lugar aproveitar a noite?
Kevin propôs. Saímos do bar, os gêmeos eram sempre alegres e iam na frente rindo e zoando com Wendy, e cada vez que uma garota passava eles prestavam atenção no traseiro e faziam gestos obscenos. Bella e Kalel andavam ao meu lado e Brooke fazia uma ligação.
-E você não está cansado, Kalel? Você pegou dois plantões, não foi?
Bella perguntou à Kalel, ele apenas sorriu enquanto continuava olhando para a frente.
-Um pouco, meu colega faltou porque sua esposa foi para a maternidade então cobri o horário dele. Eu não tinha planos mesmo então não ligo gastar meu tempo trabalhando.
-Você já tem dinheiro, cara. Poderia viver numa boa e pegar alguém, sua vida é solitária, Kalel. Tenho pena de você.
Brooke brincou um pouco mais a frente, ele apenas sorriu sem se importar em ficar irritado ou triste com aquilo. Kalel diminuiu os passos ao ver Bella ir falar com Brooke e logo ele estava ali ao meu lado, e apesar de ter pernas muito longas ele andava devagar para me acompanhar. Eu não entendia se era a bebida ou se a presença de garotos me davam uma amnésia capaz de me fazer esquecer até como andar direito, pois esqueci como andar. E fiquei ali caminhando dura com ele ao meu lado.
-Você é comprometida?
Kalel perguntou. Eu nunca havia namorado, nem na imaginação.
-Não.
Respondi. O olhar de Kalel se arregalou e depois voltou ao normal.
-Sério? Você parece tão interessante.
Corei. Havíamos chegado em frente à uma boate.
-Não entendi porque resolveram me trazer para uma boate hoje e ainda convidarem a Harisha...
Kalel disse com os olhos arregalados e com uma expressão envergonhada, engoli o seco da garganta, pelo jeito também era a primeira vez dele. Entramos, eu um pouco atrás ainda tremendo de vergonha e os gêmeos já abriam a carteira resmungando o tanto de garotas que iriam pagar para dançarem.
Garotos eram estranhos. Brooke ria sem parar olhando os dois e Wendy já fitava as dançarinas em cima de um palco dançando seminuas. Bella me puxou para se sentar com ela ao redor de uma mesa redonda de vidro. Senti um aperto no coração, e daquela vez eu facilmente consegui entender. Eles não eram felizes. Kevin e Oliver haviam se sentado afastados e esbanjavam garotas em suas coxas. O rosto sorria, mas o olhar que mostravam, pareciam tão vazios quanto o vácuo. Brooke já havia pedido uma bebida mesmo não podendo beber tanto por causa do trabalho como modelo, e estava dançando em pé, muitos homens com cordões de ouro a olhavam a desejando, a olhavam como se ela fosse um mísero pedaço de carne. Bella ao meu lado sorria sem parar, mas até ela agora parecia tão vazia. Se eles saíam todos os dias, o que era tão ruim a ponto de não gostarem de ficar em suas casas? Solidão também?
-Bella, não deixe Brooke beber muito... Sabe o que aconteceu da última vez.
Kalel sussurrou para Bella e ela se entristeceu. O que havia acontecido? Bella levantou-se depois de dar um gole numa taça de champanhe e foi dançar perto de Brooke. Fiquei ali sentada ao lado de Kalel, ele bebia em silêncio, parecia estar fora de seus pensamentos, pois muitas mulheres passaram pela sua frente esbanjando seus grandes seios, e embora ele olhasse, seu olhar parecia não estar mirando elas, estava olhando o lustre dourado que pendia no teto.
-Kalel.
Ele me olhou com o canto do olho e fingiu um sorriso.
-Pois, não?
-Vocês são vazios, não são?
Ele espantou-se, vi seus lábios rosados entreabrirem-se e depois se fecharem e um sorriso fraco se desenhar em seus lábios. Ele deu um gole na bebida que enchia sua taça e depois fitou a taça.
-E não somos todos?
Todos éramos vazios, o ser humano era vazio, não importava o quanto o dinheiro fôsse alto, muitos bens, mas o ser humano sempre iria querer mais, sempre em busca do ''certo'' para ser preenchido. Suspirei, Kalel filosofara algo que também servia para mim, eu também era vazia.
-Continue conversando com Bella, ela é distante, mas não é uma pessoa ruim. Quando ela tem um amigo, ela se doa por completo.
Kalel disse sorrindo, mas agora de verdade e virou-se para mim como se fossemos conversar seriamente.
-Esperei muito tempo para conhecer você, minha avó me falava muito coisas sobre uma garota que queria adotar, mas que não era possível por conta da documentação...
Kalel sussurrou me olhando com as pupilas ainda dilatadas, seus olhos eram tão brilhantes que parecia tanto que ele sentia algo por mim ou talvez fosse apenas o efeito da bebida.
-Sua avó me mostrava suas fotos de quando você era criança, só não lembro dela ter me dito o seu nome. Você era uma gracinha.
Eu disse, ele sorriu e deu um gole na bebida que estava em sua mão. Passou a mão nos cabelos os lançando para trás, mas eles teimavam e voltavam para a testa. Senti um calor no peito, dei um gole na bebida, Kalel ainda me olhava de forma penetrante.
-Você vai fazer dezenove anos esse ano, não é?
Ele me perguntou sorrindo. Afirmei com a cabeça e ele suspirou.
-Eu vou fazer vinte e um.
Ele disse. Não entendi a razão de ele me dizer à própria idade sem eu perguntar, mas ignorei como se fôsse algo normal. Ficamos alguns segundos em silêncio, e por fim ficamos olhando Bella e Brooke dançarem como garotas de filmes adolescente.
-Você consegue guardar segredos, Harisha?
Afirmei com a cabeça. Ele relaxou sobre a cadeira que estava sentado e em seguida colocou um pulso debaixo do queixo e seu olhar caiu sobre Bella.
-Bella perdeu um bebê e o esposo, então não estranhe a forma dela de lidar com o vazio saindo com muitas pessoas.
Ele sussurrou, meus olhos se arregalaram. Aquilo era real? Olhei para Bella dançando ao lado de Brooke para não deixa-la sozinha com os muitos homens que pareciam querer tanto tirar uma casquinha dela.
-Ano passado, Bella estava com um rapaz, ele era filho de um padeiro. Eles se amavam desde a infância e ele foi o primeiro namorado dela na juventude. Eles eram...
Kalel deu uma pausa e em seguida deu outro gole na bebida.
-Eram realmente loucos um pelo outro, Bella engravidou aos dezoito anos e ele a pediu em casamento. Minha avó deu à eles um apartamento grande, deu sua benção aos dois, mas ficou triste ao lembrar que Bella, bem...
Ele engasgou.
-O pai de Bella não a acompanharia no casamento, porque ele se suicidou quando ela era um bebê, e a mãe da Bella enlouqueceu com o ocorrido e foi para um manicômio, a mãe dela se enforcou com lençóis lá. Não se sabe a razão de tanta dor ou as motivações.
Pela primeira vez, eu não queria lamentar a minha vida, existiam pessoas que sorriam e que já haviam passado por coisas bem piores. A ilusão de ver todos sorrindo nas ruas finalmente ficara clara. Eu não era a única que sofria. Eu não era a única que as vezes se sentia vazia e queria acabar com a própria vida.
-Minha avó adotou Bella e Brooke, que já andava. Bella e o namorado casaram apenas no civil e foram morar juntos, tudo era motivo de felicidade para eles. Você precisava ver o sorriso dela, Bella até parou de procrastinar e começou a estudar de volta. Até aquele dia..
A história sobre Bella parecia ficar mais confusa a cada palavra de Kalel, mesmo assim eu queria saber o que havia acontecido.
-Eles foram à uma clínica fazer um exame, e o bebê estava bem. Ela ligou para mim feliz por ser uma menina, e eu fiquei feliz com a notícia. Na volta para casa, um caminhoneiro bêbado bateu no carro de Bella. O marido morreu. Bella perdeu o bebê na hora, se o socorro tivesse chegado antes... Não, acho que não tinha como... Era uma criança que toda a família estava ansiosa para conhecer.
Olhei mais uma vez para Bella, os muitos namorados e ficantes era a forma que ela escolhera para lidar com tudo, para não amar e perder, para não se machucar mais?
-Ela ficou meses em depressão, e parou de estudar.
Kalel mordiscou os labios.
-Olhe ao redor, olhe para essas pessoas na libertinagem, bebendo, se prostituindo, fumando e usando drogas.
Olhei ao redor, as coisas pareciam mesmo divertidas por fora, mas, e por dentro?
-Quando cada pessoa daqui vai para sua casa e deita em sua própria cama, acha que riem ou choram? Algumas pessoas mais felizes são aquelas que chegam de noite em casa e fedendo, porque trabalharam o dia inteiro. Kevin e Oliver tinham peso acima do considerado saudável, sofriam bullying desde pequenos e tinham problemas com acne, os dois também enfiavam os dedos nas gargantas, vomitavam o que comiam, quebravam espelhos da casa da minha avó sempre que viam o próprio reflexo.
-E Brooke? E Wendy?
Perguntei para Kalel, curiosa e ao mesmo tempo tão aflita com a história daquela família.
-Brooke sofre de bulimia nervosa. Ela sempre quis ser modelo, ela faz acompanhamento psicológico.
Lembrei do elogio de Brooke sobre meu corpo. Aquela deveria ser a razão, ela desejava ser magra como eu.
-Já Wendy sofreu abuso pelo próprio pai biológico quando era criança.
-E a sua história?
Perguntei à ele. Ele sorriu e depois suspirou. Seus olhos fitaram os meus, eram úmidos e brilhantes, ele se aproximou um pouco mais de mim.
-Eu não sou ninguém para ninguém. Mas se quiser saber um pouco mais sobre mim, só sendo mais que minha amiga, Harisha.
Os lábios de Kalel estavam tão próximos aos meus que eu podia sentir a sua respiração quente e com odor de bebida em meu rosto, e estranhamente a imagem de Ethan surgiu em meus pensamentos. Me afastei-me. Ainda não era familiarizada com afagos quentes e atos românticos, corei virando o rosto e fitando um ponto qualquer.
-Harisha?
Ele me chamou pelo nome, o olhei. Seu olhar parecia aflito.
-Eu não lhe agrado?
Senti um aperto no coração.
-Não é isso... Sua aparência é incrível, você me agrada, até demais...
Perdi a fala. Enrubesci, era vergonhoso elogiar alguém. O rosto de Kalel enrubesceu, ele sorriu.
Olhei para os lábios de Kalel, eram rosados e levemente grossos. Senti uma sensação estranha como se eu fosse ceder se ficasse perto dele por mais uns segundos, levantei-me da cadeira. A aproximação que tivera com ele me abalara um pouco e eu tinha medo de sentir algo romântico em relação à ele e as coisas se repetirem, assim como aconteceram com Brian, mesmo Kalel não parecendo ser igual à ele.
-Está se sentindo ruim?
Ele perguntou também se levantando, neguei com a cabeça.
-Eu já vou embora, foi bom conhecer você, Kalel.
Sorri fraco para ele e sai caminhando apressada entre as pessoas, eu sabia que atrás de mim ele também vinha apressado. Quando olhei para trás, Kalel não estava mais me seguindo, havia o despistado. Aquilo era melhor para mim e para ele.
Uma coisa eu tinha certeza, minha noite havia sido diferente das que eu costumava ter, não havia sido feliz, nem infeliz, somente diferente. Ao contrário de mim, Bella e seus "primos" haviam usado uma cola ou fita e seguiam em frente, tentando preencher as rachaduras e o vazio que sentiam com fetiches e loucuras do mundo.
Uma silhueta conhecida se fez presente na segunda esquina, estremeci. Ethan estava encostado num poste de luz, usava moletom vermelho e parecia com frio, pois a fumaça fria da noite saía de sua boca. O que alguém rico como ele fazia ali naquelas ruas de madrugada? Quis fugir para que ele não me visse, mas não adiantou, assim que ele me viu abriu um grande sorriso e veio ao meu encontro.
-Harisha, boa noite! Passeando à essa hora? Insônia?
Ele perguntou, neguei com as sobrancelhas e continuei andando e ele me seguiu caminhando ao meu lado.
-Que bom que te encontrei, estava chato ficar andando sem ter com quem conversar.
Ele disse e depois suspirou. O fitei com o canto do olho, não estava mais afim de conversar com alguém, mas ele parecia feliz.
-O que fazia andando a essa hora? Estava bebendo, é?
Ele perguntou risonho e me cheirando em plena rua, aquilo era constrangedor. Cheguei em frente ao apartamento onde morava, ele ainda me seguia.
-Uau, é aqui que você mora? É um prédio bonito.
Ele disse, parecia surpreso. Como um garoto rico ficaria surpreso ao ver um apartamento? Abri a porta da sala e entrei, ele entrou atrás de mim mesmo eu nem tendo o convidado. Acendi a luz já olhando a sala a procura de uma arma branca caso ele tentasse me beijar novamente, mas não tinha. Ele sentou-se no sofá de frente para a televisão sem cerimônia nenhuma como se fossemos amigos íntimos e de muito tempo. Arqueei a sobrancelha.
-É bem confortável aqui. Tem comida? Eu pago.
Aquilo era demais. Ele me beijara para o bem dele mesmo, me seguira da rua, entrara no meu apartamento e queria comer. Mesmo estando irritada com aquilo, tinha um pouco de medo, era a primeira pessoa que eu levara para dentro dali e a sós. Sai acendendo as luzes do apartamento depois de trancar a porta da sala e fui até a cozinha, tinha algumas fatias de lasanha na geladeira, eu comprara no mercado e bastava esquentar, e até ali Ethan me seguiu e sentou-se numa das cadeiras brancas ao redor da mesa da cozinha. Esquentei duas fatias no micro-ondas e dei para ele em um prato de porcelana branca. Ele agradeceu sorrindo e comeu vorazmente, parecia muito faminto.
-Não precisa pagar.
Eu disse. Ele comeu em silêncio e depois lavou o que havia sujado e guardou no armário. O relógio da parede do corredor mostrava já as 02:00am.
-Obrigado, Harisha.
Ele me agradeceu, o fitei. Ele abrira um imenso sorriso, mas por detrás parecia estar triste. Depois da conversa com Kalel, sorrisos pareciam ganhar muitos significados para mim. Ethan não estava bem.
-Você está se sentindo bem?
Perguntei à ele, ele afirmou sorrindo. Era mentira, o olhar dele negava apesar de seus dentes estarem à mostra.
-Posso tomar banho no seu banheiro?
Peguei uma toalha reserva no quarto depois de fechar a porta para que ele não me seguisse até ali e dei à ele, ele entrou no banheiro e ouvi o chuveiro ligado. Sentei-me no sofá da sala, sentia meu peito arder por dentro, naquele momento, dentro do meu banheiro tinha um homem nu tomando banho. Lembrei de Kalel, eu havia entristecido ele? E eu saíra tão apressada que nem contara à Bella que já iria embora e até aquele momento não havia lhe mandado uma mensagem sequer.
Não demorou muito e Ethan surgiu no corredor com os cabelos molhados, vestido e sorrindo, estremi. Ele era lindo, cerrei os punhos. Ele sentou-se no sofá da frente.
-Obrigado.
-O que faz longe de casa?
Perguntei a ele e esperei sua resposta. Ele ficou mudo por alguns segundos e depois respondeu.
-Não tem ninguém lá.
E ele sorriu. O sorriso agora era real, uma mistura de solidão com vazio.
-E a sua família?
Ele me perguntou. Ele ainda não sabia? James e Dakota não havia feito seus trabalhos de fofoqueiros direito então. Sempre espalhavam os rumores sobre a minha vida e das emoções alheias. Se Ethan ainda não sabia, logo iria saber.
-Não tenho família.
Fui direta, ele ficou em silêncio por alguns segundos e não me perguntou nada a respeito do assunto. Penteou os cabelos molhados com os próprios dedos e depois bocejou.
-Ainda é solitário ficar em casa. Meu pai só volta pra casa quando lembra que tem família. Às vezes fico semanas sem vê-lo, e quando o vejo ele volta para o trabalho... Nunca fica muito tempo com a família.
-E sua mãe?
Ele bufou, pelo modo que agiu detestava a mãe.
-As estrelas são menos distante do que ela.
Fizemos silencio por alguns segundos. Aquela noite e madrugada haviam sido reveladoras, eu descobrira coisas sobre vidas alheias que me faziam refletir mais na vida dos outros do que na minha mais uma vez. Ethan vinha de uma família milionária, o dinheiro era o mais importante, o pai negligenciara a família, a mãe vivia enfurnada em locais da fama e rodeada de pessoas ricas. Ethan vivia sozinho numa casa grande esperando os pais chegarem e eles nunca estavam ali. Suspirei. Talvez eu estivesse começando a entender mais as emoções alheias, muitos sorriam mas não era de felicidade, era a forma de não mostrarem ao mundo que seus corações e suas defesas estavam frágeis.
O celular tocou, era uma ligação de Bella, atendi.
-Bella?
O barulho do outro lado ainda era imenso, ela com certeza ainda estava bebendo.
-Onde você está? Kalel disse que você saiu de repente.
-Não estava me sentindo muito bem.
Respondi. A verdade era que eu sentia coisas estranhas e antes que elas se tornassem mais reais eu mesma destruiria elas.
-Você é amiga da Bella?
Ethan me perguntou.
-Que voz é essa? Ethan?! Ele está ai com você?!
A voz de Bella do outro lado do celular parecia eufórica e surpresa. Senti o frio da noite subir na espinha. O que ela pensaria?
-Ah, desculpe, Bella. Tenho que desligar.
E desliguei antes mesmo que ela pudesse perguntar algo ou pensar algo. Ethan me olhava confuso e depois colocou um dedo no queixo como se pensasse.
-Você e Bella são amigas?
Eu simplesmente não sabia responder aquilo, a noite acontecera por um convite de Bella, mas as coisas não passaram de muita coisa.
-Não.
Sussurrei o respondendo. O olhar de Ethan caiu sobre uma foto minha da infância perto da TV, ele a pegou e sorriu olhando para ela.
-Harisha Wishbourne...
Ele sussurrou meu nome, porque ele estava gravado na moldura da foto. Wishbourne era meu primeiro sobrenome, eu o usava porque fazia eu esquecer o Johnson que pertencia à Thomas Johnson.
E assim a madrugada se prolongou. Ethan ligara a televisão e eu tentava me manter tranquila com um convidado no apartamento. E por ter alguém no apartamento comigo, eu não conseguia entrar no meu quarto e dormir, então fiquei ali de frente para ele no outro sofá, havia pegado o meu caderno de desenhos e um lápis e estava rabiscando. Ele se mantinha calmo assistindo um documentário sobre lagartos e aproveitei para desenhá-lo.
-Você é solteira?
Ele perguntou sem tirar a visão da televisão.
-Sim.
Ele parou por alguns segundos, notei com o canto dos olhos que ele levantou-se e sentou-se ao meu lado no sofá. Fechei o caderno, não queria que ele visse que eu estava o desenhando. Deixei o caderno de lado junto com o lápis.
-Harisha, olhe para mim.
Ele pediu em tom baixo, o olhei, ele me fitava sério. Algumas mechas de seu cabelo castanho caiam sobre o rosto.
-Aquele beijo foi o seu primeiro beijo?
Espantei-me. Ele continuou sério me olhando, não parecia estar brincando. Vi ele arquear uma sobrancelha, era bonito até confuso, virei o rosto.
-Sim.
Respondi. Ele sorriu e depois seu olhar tornou-se sério novamente. Fizemos silêncio por alguns segundos, já eram as 04:00 am, quase amanhecendo. Eu queria dormir.
-Harisha, você já tem alguém em seu coração? Você está apaixonada por alguém?
Senti meu coração pulsar mais depressa. Eu não queria pensar naquilo, não queria desenvolver sentimentos por alguém.
-Não.
Respondi. Ele sorriu, pareceu estar aliviado com a minha resposta, o estranhei. E o mais estranho foi depois daquilo. Ethan Leblanc dormiu no meu apartamento, precisamente no meu quarto, na minha cama, depois de rir sozinho assistindo um filme animado. E eu a dona precisei ficar acordada durante toda a madrugada na sala depois de se negar a dormir junto com ele na cama. A aproximação dele me causava um calor no peito, que até então eu não entendia o que era.