Capítulo 4 Eu Não Peço, Eu Mando!

Nikolai

- Outro trabalho. - Ela não parecia surpresa. Nem interessada. - Com quem eu vou fechar negócio?

Apenas esperou, como se já soubesse que eu explicaria de qualquer jeito.

- Não é como o último - continuei, acendendo um cigarro. O cheiro da nicotina misturou-se com o álcool do bar, e eu observei cada mínimo detalhe de sua expressão. - Mais risco. Mais dinheiro. Mais o que você quiser. E sim e não, você vai fechar com meu pai e acertar comigo todo o resto. Então, o que acha?

Ela ergueu o envelope que eu entreguei mais cedo e me olhou com desdém.

- Esse aqui já me basta. Obrigada pela oferta, mas eu passo.

- Você pode ter mais...

- Não preciso.

Meu maxilar se contraiu.

- Mas quer.

Foi a primeira vez que notei uma mudança no olhar dela. Interesse? Não. Curiosidade, talvez.

- Se for interessante - ela disse, finalmente, sentando-se no banco ao lado do meu e dando de ombros.

Um teste. Para ela e para mim.

- Você é sempre assim? - perguntei. Ela arqueou a sobrancelha.

- Assim como?

- Um saco de pedras sem emoções.

Ela riu.

Não um riso verdadeiro. Um riso vazio, como tudo nela.

- Você é engraçado.

- Nunca me disseram isso antes.

- Porque você não é.

Agora fui eu quem sorriu.

Havia algo nela que me irritava. A forma como falava pouco, como não fazia questão de ser agradável. Como me lembrava... de mim.

E eu odiava me ver em outra pessoa.

Mas ali estava ela.

Fria. Seca. Um espelho que eu não queria encarar de mim mesmo.

- Vai aceitar ou não? - perguntei, direto ao ponto.

Ela estalou a língua no céu da boca, pensativa.

- Quem é o alvo?

- Um desgraçado que deve dinheiro ao meu pai. Bastante dinheiro.

Siliana girou o copo vazio entre os dedos.

- Você quer um aviso ou uma execução?

- Você escolhe. - Ela não hesitou.

- Então vai ser execução. - Eu já sabia a resposta antes mesmo de perguntar.

Mas o que eu não sabia era por que isso me deixou satisfeito.

- E com quem eu fecho agora? Com você?

- Exatamente. Digamos que isso é um teste.

- Tudo bem, eu aceito.

Horas depois...

Siliana

O alvo estava sentado na mesa de pôquer, suado, fedendo a cigarro barato e com a confiança de um homem que ainda não sabia que ia morrer.

O problema dos homens como ele era sempre o mesmo: achavam que estavam no controle.

Seus olhos percorreram minhas pernas quando me aproximei da mesa.

- O que uma garota como você está fazendo aqui? - perguntou, com um sorriso que pretendia ser sedutor, mas soou apenas repulsivo.

Eu me inclinei levemente, fingindo interesse.

- Estou procurando alguém - murmurei.

Ele sorriu mais, achando que tinha vantagem.

- E já encontrou?

Meus olhos deslizaram para sua garganta. Para a pulsação sob a pele. Para o copo meio vazio à sua frente.

- Talvez.

Minha mão deslizou para dentro do casaco e, antes que ele pudesse reagir, enfiei a lâmina curta entre suas costelas.

Seu corpo enrijeceu.

O barulho das fichas caindo na mesa ecoou enquanto seus amigos se afastavam, sem saber o que fazer ou o que dizer, porque todos ali eram tão sujos quanto a ele.

- Você... - ele tentou falar, mas não conseguiu.

Com um movimento rápido, puxei a lâmina de volta. O sangue quente espirrou sobre a mesa.

- Você devia ter pago sua dívida, você sabe... quem deve nunca vai longe.

Seus olhos estavam arregalados, as mãos pressionando o ferimento enquanto tentava entender o que tinha acontecido.

Mas não havia tempo para entender.

Ele caiu para frente, o rosto atingindo as cartas espalhadas na mesa.

E então, silêncio...

Olhei ao redor, mas ninguém se moveu. Ninguém gritou. Ninguém disse nada e então, eu fui sair como se nada tivesse acontecido. Mas seria fácil me capturar depois, então usei contra os quatro homens que ali ainda restaram, minhas últimas quarto balas e agora sim, o serviço estava finalizado.

Eles sabiam quem havia mandado essa mensagem. Parece que o pai de Nikolai é mesmo muito foda.

Peguei um guardanapo e limpei a lâmina antes de guardá-la de volta no casaco. Era hora de ir. Mesmo sabendo que depois de hoje, as coisas sairiam do controle.

Nikolai

- Você fez bagunça. - Disse imediatamente, ao vê-la ultrapassar a porta do clube.

Siliana ergueu os olhos para mim enquanto sentava no banco do bar, como se estivesse em um encontro casual.

- Você queria que eu limpasse também? Além do mais, ele não estava sozinho. Eu poderia ter sido facilmente morta hoje, e você ainda está achando ruim?

- Não - dei de ombros. - Só estou constatando.

Ela pediu um uísque. Tomou um gole e degustou aquilo como se limpasse sua alma.

- Então? - Sua voz era como um som de algo divino, que eu não ouço há muitos anos.

- Então o quê?

- Você me chamou aqui. Se não foi para acertar as coisas, para quê então?

Cruzei os braços, observando-a.

- É assim que você fala com seu chefe? - Provoquei, queria ver sua reação divertida.

Ela riu, seca.

- Você não é meu chefe.

Meu maxilar se contraiu. Não porque aquilo me irritou, mas porque ela provoca junto.

- Não. Mas eu sou quem te paga.

Ela inclinou a cabeça, os olhos avaliando.

- Vai me pagar agora ou me fez vir aqui à toa?

Joguei um envelope sobre o balcão.

- Aí está.

Ela pegou, conferiu rapidamente, e colocou dentro do casaco. Então se levantou.

- É isso? Havíamos combinado outro valor e você me vem com essa miséria?

Minha paciência foi para o inferno.

- Senta.

Ela parou.

Eu não falava muito, mas quando falava, não repetia. Ela me avaliou por alguns segundos antes de se sentar novamente, desta vez, com os olhos fixos aos meus. E aquele caralho de simples gesto, me deixou de pau duro.

- O que foi agora? Chefe!

Peguei meu copo e tomei um gole antes de responder.

- Vamos jantar.

Ela piscou, surpresa. Depois riu.

- Você está me chamando para jantar?

- Não. Estou mandando.

Ela arqueou uma sobrancelha.

- E se eu disser não?

Me inclinei, os olhos nos dela. A respiração bem perto do seu rosto, enquanto ela me analisava.

- Então eu te arrasto pela porra do braço.

Siliana ficou em silêncio por um momento.

Então pegou o copo e tomou o resto do uísque de um gole só.

- Espero que a comida seja boa.

Eu sorri.

- Não se preocupe. Vai ser.

Siliana

Pela primeira vez eu saí a trabalho apresentável, como se já soubesse o que estivesse me esperando. O jantar foi um jogo de paciência.

Nikolai não falava muito. Nem eu e aquilo estava me irritando.

A comida era boa, mas o clima era pior do que qualquer cela onde já dormi. Ele me observava como se esperasse que eu falasse algo. Eu comia como se ele não estivesse ali.

- Você sempre foi assim? - ele perguntou de repente.

Levantei os olhos.

- Assim como?

- Um saco de pedras sem emoções.

- Você já me perguntou isso.

- E você ainda não respondeu.

Coloquei o garfo sobre o prato.

- E você sempre foi um idiota controlador ou isso é recente? - Ele sorriu de canto, sem humor.

- Controlador, hein?

- Você me arrastou pra cá, não arrastou? Eu não tive nem mesmo opção de escolha.

Ele tomou um gole do vinho.

- Você veio porque quis.

- Se isso te faz dormir melhor à noite, então acredite nisso.

O garçom se aproximou, recolhendo os pratos vazios.

- Vamos sair daqui - Nikolai disse.

- Pra onde?

- Balada.

- Ah, então você se diverte ou isso também é novo?

Ele se levantou e pegou seu casaco.

- Não. Mas você bebe, e eu quero ver até onde vai sua tolerância.

Eu ri, mas não discuti.

A noite ainda não tinha acabado.

A boate era escura, cheia de gente fedendo a álcool e suor, mas ainda sim, de alto padrão.

Do jeito que eu gostava.

Me sentei no bar, pedindo um whisky duplo.

Nikolai ficou em pé, observando tudo como um maldito segurança.

- Você dança? - perguntei.

Ele riu pelo nariz.

- Você me acha com cara de quem dança?

- Você tem cara de quem não faz nada divertido. Mas se já está na chuva, por que não se molhar?

Ele deu de ombros.

- Ainda estou vivo. Isso já é diversão suficiente.

Peguei o copo e fui para a pista.

Eu dançava sozinha, ignorando olhares, quando senti uma mão quente apertar minha bunda de remetente. O toque foi rápido, mas a raiva subiu como fogo. Me virei no mesmo instante.

- Quer perder essa mão? -O cara riu, um desgraçado bêbado e convencido, mas a noite já havia me testado demais.

- Foi só um toque, gata. Não precisa surtar. E vai me dizer que você não gostou?

Antes que eu pudesse responder, uma sombra se colocou entre nós.

Nikolai.

Ele pegou o cara pelo colarinho e o arrastou para um canto escuro.

O outro tentou resistir, mas foi como se estivesse lutando contra uma parede de concreto, e aquilo era divertido.

- Ei, cara, calma aí... - o bêbado começou, mas a primeira pancada veio tão rápido que ele nem terminou a frase.

Um soco.

Depois outro.

E mais outro.

O nariz do cara estalou, e ele caiu no chão, sangrando. Mas Nikolai não parou. Ele o puxou de volta e o jogou contra a parede, fazendo a cabeça quase rachar.

- Não toca nela - rosnou. - Nunca mais.

Eu observei em silêncio, sentindo algo estranho.

Algo que não deveria sentir.

Ele bateu mais uma vez, e o cara apagou.

Então Nikolai virou para mim.

- Vamos.

- Acabou? - perguntei.

- Não. Mas se eu continuar, vão ter que limpar ele do chão com um pano.

Eu ri, mas um riso sem humor, porém, com bastante graça.

- Você é violento.

- Você também.

Ele pegou minha mão e me puxou para fora da boate.

Eu poderia ter resistido.

Mas, pela primeira vez, eu não quis resistir.

            
            

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