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Nikolai
- Outro trabalho. - Ela não parecia surpresa. Nem interessada. - Com quem eu vou fechar negócio?
Apenas esperou, como se já soubesse que eu explicaria de qualquer jeito.
- Não é como o último - continuei, acendendo um cigarro. O cheiro da nicotina misturou-se com o álcool do bar, e eu observei cada mínimo detalhe de sua expressão. - Mais risco. Mais dinheiro. Mais o que você quiser. E sim e não, você vai fechar com meu pai e acertar comigo todo o resto. Então, o que acha?
Ela ergueu o envelope que eu entreguei mais cedo e me olhou com desdém.
- Esse aqui já me basta. Obrigada pela oferta, mas eu passo.
- Você pode ter mais...
- Não preciso.
Meu maxilar se contraiu.
- Mas quer.
Foi a primeira vez que notei uma mudança no olhar dela. Interesse? Não. Curiosidade, talvez.
- Se for interessante - ela disse, finalmente, sentando-se no banco ao lado do meu e dando de ombros.
Um teste. Para ela e para mim.
- Você é sempre assim? - perguntei. Ela arqueou a sobrancelha.
- Assim como?
- Um saco de pedras sem emoções.
Ela riu.
Não um riso verdadeiro. Um riso vazio, como tudo nela.
- Você é engraçado.
- Nunca me disseram isso antes.
- Porque você não é.
Agora fui eu quem sorriu.
Havia algo nela que me irritava. A forma como falava pouco, como não fazia questão de ser agradável. Como me lembrava... de mim.
E eu odiava me ver em outra pessoa.
Mas ali estava ela.
Fria. Seca. Um espelho que eu não queria encarar de mim mesmo.
- Vai aceitar ou não? - perguntei, direto ao ponto.
Ela estalou a língua no céu da boca, pensativa.
- Quem é o alvo?
- Um desgraçado que deve dinheiro ao meu pai. Bastante dinheiro.
Siliana girou o copo vazio entre os dedos.
- Você quer um aviso ou uma execução?
- Você escolhe. - Ela não hesitou.
- Então vai ser execução. - Eu já sabia a resposta antes mesmo de perguntar.
Mas o que eu não sabia era por que isso me deixou satisfeito.
- E com quem eu fecho agora? Com você?
- Exatamente. Digamos que isso é um teste.
- Tudo bem, eu aceito.
Horas depois...
Siliana
O alvo estava sentado na mesa de pôquer, suado, fedendo a cigarro barato e com a confiança de um homem que ainda não sabia que ia morrer.
O problema dos homens como ele era sempre o mesmo: achavam que estavam no controle.
Seus olhos percorreram minhas pernas quando me aproximei da mesa.
- O que uma garota como você está fazendo aqui? - perguntou, com um sorriso que pretendia ser sedutor, mas soou apenas repulsivo.
Eu me inclinei levemente, fingindo interesse.
- Estou procurando alguém - murmurei.
Ele sorriu mais, achando que tinha vantagem.
- E já encontrou?
Meus olhos deslizaram para sua garganta. Para a pulsação sob a pele. Para o copo meio vazio à sua frente.
- Talvez.
Minha mão deslizou para dentro do casaco e, antes que ele pudesse reagir, enfiei a lâmina curta entre suas costelas.
Seu corpo enrijeceu.
O barulho das fichas caindo na mesa ecoou enquanto seus amigos se afastavam, sem saber o que fazer ou o que dizer, porque todos ali eram tão sujos quanto a ele.
- Você... - ele tentou falar, mas não conseguiu.
Com um movimento rápido, puxei a lâmina de volta. O sangue quente espirrou sobre a mesa.
- Você devia ter pago sua dívida, você sabe... quem deve nunca vai longe.
Seus olhos estavam arregalados, as mãos pressionando o ferimento enquanto tentava entender o que tinha acontecido.
Mas não havia tempo para entender.
Ele caiu para frente, o rosto atingindo as cartas espalhadas na mesa.
E então, silêncio...
Olhei ao redor, mas ninguém se moveu. Ninguém gritou. Ninguém disse nada e então, eu fui sair como se nada tivesse acontecido. Mas seria fácil me capturar depois, então usei contra os quatro homens que ali ainda restaram, minhas últimas quarto balas e agora sim, o serviço estava finalizado.
Eles sabiam quem havia mandado essa mensagem. Parece que o pai de Nikolai é mesmo muito foda.
Peguei um guardanapo e limpei a lâmina antes de guardá-la de volta no casaco. Era hora de ir. Mesmo sabendo que depois de hoje, as coisas sairiam do controle.
Nikolai
- Você fez bagunça. - Disse imediatamente, ao vê-la ultrapassar a porta do clube.
Siliana ergueu os olhos para mim enquanto sentava no banco do bar, como se estivesse em um encontro casual.
- Você queria que eu limpasse também? Além do mais, ele não estava sozinho. Eu poderia ter sido facilmente morta hoje, e você ainda está achando ruim?
- Não - dei de ombros. - Só estou constatando.
Ela pediu um uísque. Tomou um gole e degustou aquilo como se limpasse sua alma.
- Então? - Sua voz era como um som de algo divino, que eu não ouço há muitos anos.
- Então o quê?
- Você me chamou aqui. Se não foi para acertar as coisas, para quê então?
Cruzei os braços, observando-a.
- É assim que você fala com seu chefe? - Provoquei, queria ver sua reação divertida.
Ela riu, seca.
- Você não é meu chefe.
Meu maxilar se contraiu. Não porque aquilo me irritou, mas porque ela provoca junto.
- Não. Mas eu sou quem te paga.
Ela inclinou a cabeça, os olhos avaliando.
- Vai me pagar agora ou me fez vir aqui à toa?
Joguei um envelope sobre o balcão.
- Aí está.
Ela pegou, conferiu rapidamente, e colocou dentro do casaco. Então se levantou.
- É isso? Havíamos combinado outro valor e você me vem com essa miséria?
Minha paciência foi para o inferno.
- Senta.
Ela parou.
Eu não falava muito, mas quando falava, não repetia. Ela me avaliou por alguns segundos antes de se sentar novamente, desta vez, com os olhos fixos aos meus. E aquele caralho de simples gesto, me deixou de pau duro.
- O que foi agora? Chefe!
Peguei meu copo e tomei um gole antes de responder.
- Vamos jantar.
Ela piscou, surpresa. Depois riu.
- Você está me chamando para jantar?
- Não. Estou mandando.
Ela arqueou uma sobrancelha.
- E se eu disser não?
Me inclinei, os olhos nos dela. A respiração bem perto do seu rosto, enquanto ela me analisava.
- Então eu te arrasto pela porra do braço.
Siliana ficou em silêncio por um momento.
Então pegou o copo e tomou o resto do uísque de um gole só.
- Espero que a comida seja boa.
Eu sorri.
- Não se preocupe. Vai ser.
Siliana
Pela primeira vez eu saí a trabalho apresentável, como se já soubesse o que estivesse me esperando. O jantar foi um jogo de paciência.
Nikolai não falava muito. Nem eu e aquilo estava me irritando.
A comida era boa, mas o clima era pior do que qualquer cela onde já dormi. Ele me observava como se esperasse que eu falasse algo. Eu comia como se ele não estivesse ali.
- Você sempre foi assim? - ele perguntou de repente.
Levantei os olhos.
- Assim como?
- Um saco de pedras sem emoções.
- Você já me perguntou isso.
- E você ainda não respondeu.
Coloquei o garfo sobre o prato.
- E você sempre foi um idiota controlador ou isso é recente? - Ele sorriu de canto, sem humor.
- Controlador, hein?
- Você me arrastou pra cá, não arrastou? Eu não tive nem mesmo opção de escolha.
Ele tomou um gole do vinho.
- Você veio porque quis.
- Se isso te faz dormir melhor à noite, então acredite nisso.
O garçom se aproximou, recolhendo os pratos vazios.
- Vamos sair daqui - Nikolai disse.
- Pra onde?
- Balada.
- Ah, então você se diverte ou isso também é novo?
Ele se levantou e pegou seu casaco.
- Não. Mas você bebe, e eu quero ver até onde vai sua tolerância.
Eu ri, mas não discuti.
A noite ainda não tinha acabado.
A boate era escura, cheia de gente fedendo a álcool e suor, mas ainda sim, de alto padrão.
Do jeito que eu gostava.
Me sentei no bar, pedindo um whisky duplo.
Nikolai ficou em pé, observando tudo como um maldito segurança.
- Você dança? - perguntei.
Ele riu pelo nariz.
- Você me acha com cara de quem dança?
- Você tem cara de quem não faz nada divertido. Mas se já está na chuva, por que não se molhar?
Ele deu de ombros.
- Ainda estou vivo. Isso já é diversão suficiente.
Peguei o copo e fui para a pista.
Eu dançava sozinha, ignorando olhares, quando senti uma mão quente apertar minha bunda de remetente. O toque foi rápido, mas a raiva subiu como fogo. Me virei no mesmo instante.
- Quer perder essa mão? -O cara riu, um desgraçado bêbado e convencido, mas a noite já havia me testado demais.
- Foi só um toque, gata. Não precisa surtar. E vai me dizer que você não gostou?
Antes que eu pudesse responder, uma sombra se colocou entre nós.
Nikolai.
Ele pegou o cara pelo colarinho e o arrastou para um canto escuro.
O outro tentou resistir, mas foi como se estivesse lutando contra uma parede de concreto, e aquilo era divertido.
- Ei, cara, calma aí... - o bêbado começou, mas a primeira pancada veio tão rápido que ele nem terminou a frase.
Um soco.
Depois outro.
E mais outro.
O nariz do cara estalou, e ele caiu no chão, sangrando. Mas Nikolai não parou. Ele o puxou de volta e o jogou contra a parede, fazendo a cabeça quase rachar.
- Não toca nela - rosnou. - Nunca mais.
Eu observei em silêncio, sentindo algo estranho.
Algo que não deveria sentir.
Ele bateu mais uma vez, e o cara apagou.
Então Nikolai virou para mim.
- Vamos.
- Acabou? - perguntei.
- Não. Mas se eu continuar, vão ter que limpar ele do chão com um pano.
Eu ri, mas um riso sem humor, porém, com bastante graça.
- Você é violento.
- Você também.
Ele pegou minha mão e me puxou para fora da boate.
Eu poderia ter resistido.
Mas, pela primeira vez, eu não quis resistir.