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Siliana
A noite cheirava a álcool, cigarro e pecado.
Meus músculos ainda estavam tensionados da briga na boate. Meu corpo vibrava de adrenalina, e a raiva ainda estava nos meus ossos.
Nikolai dirigia como se nada tivesse acontecido.
Como se não tivesse espancado um cara até o desmaio. Como se eu não estivesse ao lado dele, observando sua mão suja de sangue no volante.
- Você devia lavar isso - comentei, apontando.
Ele olhou para a própria mão e deu de ombros.
- Você se importa?
- Nem um pouco. - Ele sorriu de canto e aquele maldito sorriso me despertou algo que não deveria ter desperto.
A tensão no carro era espessa como fumaça.
Nenhum de nós falou mais nada até chegarmos ao apartamento dele. Modesto, coisa refinada e bastante obscuro.
A garrafa de uísque bateu na mesa de vidro.
Nikolai se jogou no sofá e acendeu um cigarro, me jogando outro.
Eu aceitei, puxando a fumaça para dentro dos pulmões, deixando o veneno se misturar ao álcool no meu sangue.
A cocaína apareceu logo depois.
Ele preparou oito carreiras na mesa e olhou para mim.
- Você quer?
Eu ri. Porque hoje, justamente hoje eu percebi que há mais pessoas quebradas além de mim.
- Oferecendo doce a criança assim?
Me inclinei, inalando a linha branca sem hesitar. Uma, depois outra e assim até acabar as minhas quatro.
O mundo ficou mais leve.
Ou talvez eu tenha ficado mais pesada. Não importava. Não agora.
Me joguei ao lado dele no sofá, a cabeça girando, o coração disparando. Ele passou a língua nos lábios e me olhou de jeito que fez algo dentro de mim se acender. Algo quente. Algo perigoso.
- Você gosta de caos, não gosta? - ele murmurou.
Eu ri, inclinando a cabeça para ele.
- Você não?
Ele não respondeu.
Só pegou meu rosto e me beijou.
O gosto dele era álcool e fumaça.
O beijo foi bruto, sem paciência, sem hesitação, apenas com fome e desejo.
Como tudo entre nós.
Me puxei para cima dele, as pernas ao redor da sua cintura, enquanto nossas bocas se devoravam como se quiséssemos arrancar pedaços um do outro.
Minhas mãos foram para sua camisa, arrancando-a com urgência. A dele deslizou por minhas coxas, apertando, puxando, tomando posse.
Os corpos quentes, queimando, gritando por mais.
Eu queria esquecer tudo. Ele também.
E naquela noite, foi exatamente o que fizemos. Sexo, sem amor e sem piedade. Sexo nu, cru e sem pudor.
...
O mundo girava quando abri os olhos.
Minha boca estava seca como areia, parecia que havia saído do mar.
Minha cabeça latejava como se alguém estivesse martelando meu crânio por dentro. E eu não estava sozinha.
Nikolai dormia ao meu lado, a respiração pesada, um braço jogado sobre minha cintura como se me prendesse ali. Levantei com cuidado, afastando o braço dele e sentindo meu corpo protestar.
A noite anterior foi um borrão de uísque, fumaça e pele quente. Mas eu lembrava. Cada toque. Cada palavra arrastada pela intoxicação. Cada segundo de caos puro ao seu lado.
Peguei minhas roupas espalhadas pelo chão e me vesti em silêncio. Não era uma daquelas mulheres que ficavam para o café da manhã. Nunca fui.
Olhei para Nikolai uma última vez antes de sair.
Ele não se mexeu. E eu não esperei.
Minha casa nunca pareceu tão pequena quanto naquele dia. A luz do sol vazava pela janela suja, cortando a poeira no ar. Eu me joguei no sofá, ainda sentindo o gosto de cigarro e álcool na língua.
Minha mente insistia em voltar para ele.
Para a forma como ele segurou meu rosto antes de me beijar. Para a forma como ele olhava para mim, como se enxergasse algo que nem eu via.
Fechei os olhos, irritada. Droga.
Levantei para pegar um copo d'água, mas parei no meio do caminho. Três batidas na porta. Firmes. Precisas.
Não era um cobrador. Não era um vizinho. Era ele.
Abri a porta e encarei Nikolai parado ali.
- Você me seguiu? - perguntei, cruzando os braços.
Ele ignorou a pergunta.
- Meu pai quer falar com você.
A informação se enfiou na minha cabeça como uma bala.
- Seu pai? O que ele quer comigo?
Ele assentiu.
- Pessoalmente.
Olhei para ele, desconfiada.
- E por que diabos eu iria?
Ele deu um passo à frente, invadindo meu espaço.
- Porque se ele quer te ver, você não tem escolha.
A ameaça estava ali, crua e sem rodeios. Mas eu não era do tipo que se intimidava. Levantei o queixo.
- Se ele quiser me ver, que venha até mim.
Nikolai sorriu de canto, um sorriso vazio, sem humor.
- Ele não faz isso. Você vem até ele. E vê se não demora pra se arrumar.
Meus músculos ficaram tensos. Eu não gostava de seguir ordens. Mas algo me dizia que recusar esse convite não seria uma opção.
Soltei um suspiro pesado.
- Que inferno. Me dá quinze minutos.
Ele não se moveu. Apenas me observou, os olhos sombrios como a noite. E eu sabia que, a partir daquele momento, minha vida nunca mais seria a mesma.
O carro de Nikolai cortava a cidade como uma lâmina afiada. O silêncio entre nós era denso, carregado de algo que eu não conseguia nomear, mas algo que a gente ainda sentia e estava mais que vivo.
- Seu pai sempre convoca as pessoas assim? - perguntei, olhando pela janela.
- Só as que ele quer testar.
Meu olhar se voltou para ele.
- Testar? De novo?
- Você vai ver.
Não gostei da resposta, mas também não insisti.
O carro parou em frente a uma mansão com portões de ferro imponentes. Não era o tipo de lugar que se visitava sem um bom motivo.
E eu ainda não sabia o meu.
Dentro da casa, o cheiro de charuto e conhaque dominava o ar. Um homem estava sentado atrás de uma mesa enorme de mogno.
Os olhos eram frios, avaliadores. Ele me encarou como se estivesse pesando minhas fraquezas. Ou talvez estivesse vendo através da minha alma.
- Então você é Siliana.
Sua voz era grave, carregada de um sotaque russo marcado.
- E você é o pai do Nikolai. Isso significa que tenho que te chamar de senhor?
Ele riu, um som curto e seco.
- Apenas Arkadiy, ou como você quiser.
Meus olhos cortaram para Nikolai, que estava parado ao meu lado, de braços cruzados.
Ele não disse nada. Apenas observava.
Arkadiy pegou um copo e girou o líquido âmbar dentro dele, como se estivesse com o próprio poder em mãos.
- Escutei muito sobre você, garota. Sei do que é capaz. Sei o que já fez e sei o porquê está aqui tão cedo e com Nikolai também.
Inclinei a cabeça.
- Imagino que sim. Não trago um passado discreto, Arkadiy. - Ele sorriu, mas sem malícia.
- Não. E é por isso que estou interessado.
Meus músculos se enrijeceram.
Eu já sabia o que viria.
- Quanto? - perguntei, direta.
Arkadiy deu um gole no conhaque antes de falar.
- Isso depende. Você gosta de dinheiro, certo?
- Não sou idiota o suficiente para não gostar.
Ele soltou uma risada baixa.
- Então temos um começo.
Nikolai finalmente se moveu, pegando um cigarro e acendendo. Meu olhar se voltou para ele por um segundo.
E foi aí que Arkadiy disse algo que me pegou de surpresa.
- Meu filho nunca demonstrou interesse nesses trabalhos antes. Mas por você...
Minha coluna se enrijeceu.
Meus olhos foram para Nikolai. Ele não reagiu. Não negou. Não confirmou.
Apenas tragou o cigarro lentamente, sem dizer uma palavra.
Mas algo na forma como Arkadiy olhava para mim, e na forma como Nikolai mantinha a boca fechada, me dizia que eu estava no meio de algo muito maior do que imaginava.
E a questão era: eu queria mesmo sair?
Ou parte de mim já estava envolvida demais para tentar se safar agora? Não importa, eu queria dinheiro e o dinheiro estava bem na minha frente.