Capítulo 2 A Proposta Impossivel

Capítulo 2: A Proposta Impossível

Os dias seguintes ao encontro com Leonardo foram um borrão confuso na mente de Helena.

Ela continuava a percorrer as ruas da cidade com o mesmo casaco marrom, a mesma bolsa gasta e a mesma expressão absorta de quem caminha no piloto automático. Mas, por dentro, algo havia mudado.

O olhar profundo daquele homem, a firmeza de suas mãos segurando-a, a voz grave e o perfume amadeirado... tudo aquilo parecia ter se impregnado nela, como uma marca invisível que o tempo não conseguia apagar.

- Idiota... - murmurava para si mesma, sempre que a lembrança surgia, tentando afastá-la. Afinal, qual a chance de um homem como aquele - elegante, seguro, milionário - cruzar de novo seu caminho?

E então, como se o destino ouvisse seus pensamentos, o telefone tocou.

- Alô?

- Helena Vasconcellos? - perguntou uma voz feminina, formal.

- Sim... quem fala?

- Aqui é Camila, da Moretti Corp. O senhor Leonardo Moretti gostaria de agendar uma reunião com você.

Helena ficou em silêncio, com o coração disparado e a mente em colapso.

Moretti.

O sobrenome ressoou como um trovão.

- Deve ser engano... - murmurou, confusa.

- Não, senhorita Vasconcellos. O senhor Leonardo foi bem específico quanto ao seu nome.

A respiração de Helena falhou por um segundo.

- Quando? - perguntou, quase sem voz.

- Amanhã, às nove da manhã. O endereço será enviado por mensagem.

Antes que pudesse protestar, a ligação foi encerrada.

Helena ficou parada no meio da sala minúscula de seu apartamento, segurando o telefone como se fosse uma bomba prestes a explodir.

O que ele queria com ela? Por que a procurava? Como sequer sabia seu nome completo?

Naquela noite, não conseguiu dormir. Deitou-se na cama estreita, encarou o teto mofado e deixou que a ansiedade a consumisse. Repassou mil vezes o momento do encontro, o olhar dele, o modo como a segurou... e agora, aquela ligação.

O celular vibrou novamente.

Uma mensagem.

"Moretti Corp. - Avenida Faria Lima, 1780. Sala presidencial. 9h em ponto."

Helena sentiu um frio percorrer sua espinha.

•••

Na manhã seguinte, vestiu sua melhor roupa - uma blusa branca de tecido simples, uma calça preta e o velho scarpin, já com a sola desgastada. Prendeu os cabelos castanhos num coque frouxo, tentando parecer mais profissional e menos vulnerável.

Enquanto o metrô cortava os túneis da cidade, o coração dela batia frenético, acompanhando o barulho metálico dos trilhos.

Ao chegar ao endereço, ficou paralisada diante do prédio: um arranha-céu imponente de vidro e aço, com mais de cinquenta andares, que refletia o céu cinzento da cidade.

Respirou fundo, ajustou a bolsa no ombro e entrou.

- Senhora Helena Vasconcellos? - perguntou o recepcionista, com um sorriso mecânico.

Ela assentiu.

- Por favor, 45º andar. O senhor Moretti a aguarda.

O elevador subiu silencioso, enquanto Helena observava o próprio reflexo no aço polido das paredes. As mãos suadas apertavam a alça da bolsa com tanta força que os dedos doíam.

Quando as portas se abriram, um corredor elegante e silencioso a conduziu até uma sala imensa, com janelas panorâmicas de onde se via a cidade inteira.

E lá estava ele.

Leonardo Moretti.

De pé, ao lado de uma mesa de vidro, com as mãos nos bolsos do terno azul-marinho impecável, olhando pela janela como quem domina não só a cidade, mas o mundo.

Ao ouvir seus passos, virou-se lentamente, os olhos escuros encontrando os dela com a mesma intensidade perturbadora do primeiro encontro.

- Helena... - disse, com aquela voz grave e pausada.

Ela respirou fundo, tentando controlar o pânico que crescia dentro de si.

- O que... o que estou fazendo aqui? - perguntou, sem rodeios.

Leonardo fez um gesto elegante, indicando a cadeira à frente da mesa.

- Por favor, sente-se.

Helena obedeceu, embora tudo em seu corpo gritasse para fugir dali.

Ele permaneceu de pé, observando-a com aquele olhar de predador silencioso, antes de caminhar até a cadeira oposta e sentar-se também, cruzando as pernas com naturalidade.

- Eu pedi que viesse até aqui porque tenho uma proposta para você - começou, com a mesma frieza calculada com que, provavelmente, fechava contratos milionários.

- Proposta? - repetiu Helena, franzindo o cenho.

Leonardo se inclinou levemente para a frente, apoiando os antebraços sobre a mesa.

- Preciso que se case comigo.

O silêncio que se seguiu foi tão absoluto que Helena pôde ouvir a própria respiração acelerar.

Ela piscou algumas vezes, como se não tivesse entendido direito.

- O... quê?

Leonardo manteve-se impassível.

- Um casamento. Formal. Legal.

Helena soltou uma risada nervosa, olhando em volta, como se fosse uma pegadinha.

- Isso é... loucura.

Ele cruzou as mãos sobre a mesa, sem desviar o olhar.

- Para você, pode parecer. Para mim, é uma necessidade.

E então, como quem apresenta uma cláusula de um contrato, explicou:

- Meu avô, o fundador da Moretti Corp., estipulou em testamento que só posso assumir definitivamente a presidência da empresa se estiver casado, demonstrando estabilidade pessoal e familiar.

Helena o encarava, incrédula.

- E... por que eu?

Leonardo esboçou um sorriso discreto, mas sem humor.

- Porque você é... improvável.

Ela arqueou a sobrancelha.

- Não entendo.

Ele se recostou na cadeira, relaxando, mas com os olhos ainda fixos nela.

- Não temos laços. Você não é do meu círculo social. Não é uma socialite, nem uma oportunista. É uma mulher comum, com quem posso estabelecer um acordo claro, sem riscos emocionais... ou assim espero.

Helena sentiu uma mistura de indignação e fascínio.

- Você quer... que eu me case com você, sem amor, só... só para cumprir uma cláusula de um testamento?

Leonardo assentiu, como quem confirma a óbvia necessidade de uma assinatura num documento qualquer.

- Exatamente.

Ela ficou em silêncio por longos segundos, absorvendo o absurdo daquela proposta.

- E... o que eu ganho com isso?

Leonardo se inclinou novamente, os olhos penetrantes fixos nos dela.

- Segurança financeira. Um novo começo. Independência. Um valor que será acordado entre nós, além de todos os benefícios de ser... oficialmente, a senhora Moretti.

Helena deixou escapar uma risada nervosa, cruzando os braços, como quem tenta se proteger.

- Você acha que pode simplesmente comprar um casamento?

Ele a observou em silêncio por alguns segundos, e então disse, com a frieza que o caracterizava:

- Não. Acho que posso negociar um contrato...

Helena desviou o olhar para a cidade lá fora, tão grande e indiferente quanto aquele homem à sua frente.

E então percebeu... aquela podia ser sua chance de mudar de vida.

Ou de se perder para sempre.

            
            

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