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O silêncio da manhã invadia a casa de Leonardo e Isadora com uma calma quase perturbadora. O sol de junho ainda não havia despertado por completo, mas a inquietação já pairava no ar. Isadora acordou antes do despertador, como fazia nos últimos dias, e ficou observando o teto por alguns minutos antes de levantar-se. Havia um peso na garganta, uma angústia que parecia crescer a cada noite de sono interrompido.
Na cozinha, preparou café com mãos trêmulas. Pensava em Leonardo, na distância crescente entre eles, no que havia se perdido - e no que ainda poderia ser recuperado.
Quando ele desceu, o olhar cansado, um sorriso breve surgiu em seus lábios, mas não alcançou os olhos.
- Bom dia - disse ele, evitando o abraço.
- Bom dia - respondeu ela, servindo a xícara de café. - Dormiu bem?
- Não muito - confessou ele. - Pensei em tudo que está acontecendo. Acho que precisamos tomar algumas decisões.
Isadora sentiu seu coração acelerar.
- Que tipo de decisões?
Leonardo passou as mãos pelo rosto.
- Sobre nós, sobre o projeto, sobre Júlia...
Ela deixou a xícara sobre a mesa, finalmente encarando-o.
- Então é isso. Você vai escolher?
- Não é tão simples, Isa - ele disse, a voz baixa, quase um sussurro. - Júlia não é apenas uma colega de trabalho. Ela é uma parte do que construí na empresa, no projeto social. E... eu me sinto perdido sem ela.
Isadora piscou, tentando entender.
- Mas eu estou aqui. Sempre estive. Você só precisa se lembrar disso.
Ele desviou o olhar.
- É difícil, Isa. Eu não quero ferir você, mas também não posso negar o que sinto quando estou com ela.
Ela engoliu o choro que ameaçava escapar.
- E o que você sente quando está comigo?
- Um misto de conforto e culpa.
- Gosto dessa franqueza, mas não posso viver em meio a mistos e culpas.
No escritório, Leonardo dedicava-se intensamente ao projeto social que desenvolvia junto com Júlia. As reuniões, as apresentações, as horas extras... tudo girava em torno daquele objetivo que parecia unir o útil ao agradável, o profissional ao pessoal.
Mas enquanto ele acreditava estar construindo um futuro sólido, Isadora sentia a casa desmoronar.
Ela passava mais tempo no ateliê, envolvida nas telas e nas cores, buscando na arte uma forma de canalizar a dor e a frustração. Pintava cenas abstratas, cheias de nuances que representavam a confusão dentro de seu peito.
Certa tarde, ao chegar à empresa para uma reunião sobre os eventos do projeto, Isadora se deparou com Júlia na sala de recepção.
- Isa! Que bom te ver - disse Júlia, com um sorriso forçado. - Queria conversar sobre a exposição que você está planejando.
Isadora manteve a postura fria.
- Obrigada, mas já tenho tudo encaminhado. Prefiro focar no que está programado.
Júlia cruzou os braços.
- Entendo, mas sabe que a empresa apoia artistas, não é? Talvez possamos unir forças.
- Agradeço, mas prefiro trabalhar sozinha.
Júlia a encarou por alguns segundos antes de se afastar.
- Tudo bem, Isa. Só não esqueça que estamos do mesmo lado.
Isadora sentiu uma ponta de ironia naquelas palavras.
Naquele fim de semana, Leonardo e Isadora tentaram se reconectar, mesmo que de forma tímida e hesitante. Jantaram em casa, conversaram sobre coisas triviais, evitaram assuntos delicados.
Mas o fantasma de Júlia pairava sobre a mesa, invisível, sufocante.
Depois do jantar, Leonardo recebeu uma mensagem no celular. Era Júlia, perguntando se poderiam se encontrar para discutir os detalhes de uma próxima apresentação do projeto.
Ele hesitou, depois respondeu que sim.
Isadora viu a troca de mensagens, mas decidiu não comentar. Era sua forma de guardar o que sentia, deixando que a ferida ficasse ali, silenciosa, mas dolorosa.
Na segunda-feira, Leonardo passou o dia em reuniões. Uma delas, especialmente longa, terminou tarde da noite.
Quando chegou em casa, encontrou Isadora na sala, com os olhos vermelhos.
- O que houve? - ele perguntou, preocupado.
Ela mostrou uma mensagem que recebera da irmã:
"Vi umas fotos do Leonardo e da Júlia em um jantar ontem. Eles parecem muito próximos..."
Leonardo fechou os olhos.
- Isso vai piorar se não colocarmos tudo às claras.
Isadora respirou fundo.
- Então fala. O que está acontecendo?
Ele se sentou ao lado dela, pegando suas mãos.
- Júlia e eu somos parceiros no projeto. Temos uma história antiga, um vínculo que vai além do trabalho. Mas eu amo você, Isadora. Só você.
Ela sentiu as palavras ecoarem dentro de si, ao mesmo tempo em que uma sombra se formava.
- Então por que você age como se estivesse dividindo sua vida?
- Porque... não sei lidar com tudo isso. Não quero perder nada.
Ela balançou a cabeça.
- Não se perde o que se mantém aberto e verdadeiro.
Os dias seguintes foram marcados por conversas difíceis, encontros evitados, lágrimas e silêncios.
Isadora sabia que estava em um ponto de ruptura. Ou eles encontrariam uma forma de se reencontrar, ou o que restava seria apenas sombra.
E, enquanto isso, Júlia observava. Sempre à espreita, esperando que qualquer rachadura se tornasse um abismo.