Capítulo 2 Por orgulho

O casamento aconteceu uma semana após a assinatura do contrato.

Foi rápido, luxuoso e estratégico. Uma cerimônia reservada, mas amplamente divulgada, com direito a cobertura em tempo real nas redes sociais. Os convidados eram seletos: acionistas importantes, políticos discretos, empresários e rostos conhecidos da mídia.

Helena usava um vestido de corte elegante, sem exageros. Caio, como sempre, estava impecável em um terno sob medida. Eles posaram para fotos, sorriram para os flashes, brindaram com champanhe francês e trocaram um beijo cuidadosamente ensaiado.

No papel, eram o casal perfeito. Na prática, mal se olhavam quando não estavam sendo fotografados.

Após a cerimônia, voltaram para a cobertura de Caio - agora, o lar oficial dos dois. Sem lua de mel. Sem viagem romântica. Apenas um assessor da imprensa que enviou uma lista de hashtags e compromissos para alimentar a imagem do novo casal.

Nos primeiros dias, a convivência foi silenciosa. Eles mal se viam. Caio saía cedo para o trabalho, retornava tarde e ia direto para o escritório, onde ficava até a madrugada revisando relatórios. Helena circulava pelos cômodos com leveza, como quem ainda se adaptava à casa e aos próprios passos.

Até que algo mudou.

Na segunda-feira da semana seguinte, Helena saiu de casa às oito da manhã e só voltou após as dez da noite. Quando Caio a questionou, ela deu um sorriso educado.

- Só resolvendo umas coisas.

Na terça, saiu às nove e retornou no fim da tarde. Na quarta, nem tomou café - saiu antes dele acordar. Na quinta, foi vista entrando em um carro preto com vidros escurecidos. Na sexta, voltou de salto alto e rímel borrado, como quem havia chorado ou dançado demais - Caio não soube identificar.

A primeira vez que notou, ignorou. A segunda, arquivou mentalmente. Mas, a partir da terceira, seu instinto corporativo assumiu. Algo não estava certo.

Na sexta-feira à noite, Caio a aguardava na sala de estar. Ele segurava uma taça de vinho tinto, a expressão fria, como em uma reunião de conselho. Quando Helena entrou, tirando os brincos e jogando a bolsa sobre o sofá, ele falou:

- Está saindo bastante para uma mulher recém-casada.

Helena parou, mas não se abalou.

- Você quer que eu fique em casa bordando?

- Quero que seja discreta. Você sabe o quanto essa fachada significa para minha imagem. - Ele levantou-se. - E não gosto de surpresas.

- E eu não gosto de vigilância. - Ela cruzou os braços. - Não tem nenhuma cláusula no contrato dizendo que sou obrigada a explicar para onde vou.

- Não tem, mas tem uma que diz que você precisa preservar a reputação do casamento. Sabe o que estão dizendo? Que a minha esposa não consegue ficar em casa. Que talvez o CEO tenha se enganado ao escolhê-la.

- E você se importa?

- Eu me importo com o que dizem sobre mim.

Ela sorriu, um sorriso lento e quase provocador.

- Claro que sim. Não é sobre mim, nunca foi.

Ele ficou em silêncio. Um silêncio duro. Helena subiu para o quarto e não disse boa noite.

No sábado, ele mandou discretamente que um de seus seguranças a seguisse. Nada oficial. Apenas para saber. A imagem era tudo para ele - e não podia se dar ao luxo de virar alvo de escândalo, ou de ser tachado como "corno" pela imprensa, principalmente depois de meses de rumores sobre sua sexualidade.

Horas depois, recebeu um relatório simples, direto.

Destino: Galeria de arte contemporânea, seguida de um café com uma mulher mais velha - aparentemente, uma professora universitária. Depois, livraria, loja de tecidos, floricultura.

Nada que justificasse o salto alto borrado de maquiagem da noite anterior.

Ou justificava?

Caio ficou olhando para as imagens por longos minutos. Tentava encaixar Helena em uma narrativa lógica, mas ela escorregava entre as páginas como um personagem sem roteiro.

No domingo, ela saiu de novo. Dessa vez, não voltou para o jantar que havia prometido participar. Caio comeu sozinho, impaciente. Passou os olhos pela mesa posta - impecável como sempre - e sentiu um incômodo no fundo da garganta.

Quando ela entrou, já era quase meia-noite. Ria sozinha, como quem lembrava de uma boa história. Estava leve, livre, quase feliz.

- Boa noite - disse, ao vê-lo no sofá.

- Já virou hábito?

Ela parou.

- Sair?

- Rir tanto. Voltar tarde. Viver uma vida paralela.

Helena suspirou, cansada.

- E o que você quer que eu diga? Que estou te traindo? Que tenho um amante? Porque você já decidiu acreditar nisso, não é?

Ele não respondeu.

- Eu não tenho ninguém, Caio. Nem interesse em ter. O que eu tenho são dias vazios, uma vida de fachada e um marido que me trata como um ativo de marketing.

- E mesmo assim, você sai todo dia com um sorriso no rosto.

- Porque se eu não fingir que estou viva... eu vou morrer por dentro.

Ele encarou o copo vazio na mão.

- Você me faz parecer fraco. Bobo. Um homem que não controla nem a própria casa.

- E você me faz parecer invisível. Como se eu não fosse nada além de uma resposta para os seus boatos.

Silêncio.

Helena subiu as escadas e não voltou.

Na segunda-feira, uma pasta chegou à sala de Caio. De novo, sem remetente. Dentro, havia impressões de conversas online, tiradas de grupos privados da internet.

"A esposa do Caio está traindo ele, certeza."

"Ele não percebe, porque tá ocupado demais fingindo ser hétero."

"Ou será que o plano dele é que ela tenha um caso, e ele continue com a fama limpa?"

As mensagens se multiplicavam, e mais abaixo, o recado:

"A farsa está desmoronando. Ou você resolve, ou alguém vai resolver por você."

Caio trincou os dentes. Pegou o telefone.

- Marcos, preciso que descubra de onde essa pasta veio. Agora.

Naquela noite, Helena chegou mais cedo. Encarou Caio na sala com um olhar direto.

- Você está me seguindo?

- Estou te protegendo - ele corrigiu.

- Proteger exige confiança. Você não confia em mim.

- Eu não confio em ninguém que anda escondendo algo.

Ela largou a bolsa no sofá e caminhou devagar até ele.

- Então por que não acaba logo com isso?

- Porque não vou dar esse gosto à imprensa. Você quer sair desse casamento? Sinta-se à vontade. Mas saiba: se me fizer parecer um idiota, eu reajo.

- Eu não te traí, Caio.

- Talvez. Mas está me envergonhando. E isso, no fim das contas, dá na mesma.

Helena deu um passo para trás. A raiva em seus olhos era densa, mas fria.

- Você é pior do que eu imaginei.

- E você é exatamente o que eu esperava.

Naquela mesma noite, o segurança que seguia Helena desapareceu. Seu carro foi encontrado abandonado no estacionamento de um centro comercial. O celular, desligado. Nenhum sinal de arrombamento ou luta.

O aviso final chegou por e-mail, horas depois.

"Você pensa que tem controle. Mas ela é a chave. E você vai perdê-la."

Caio olhou para a tela. Pela primeira vez, sentiu que algo estava escapando - não por amor, não por ciúmes. Mas por orgulho. E por algo mais sombrio: alguém estava jogando com ele. Com sua imagem. Com sua reputação.

E se havia algo que Caio Vasconcellos nunca aceitava... era perder.

            
            

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