Capítulo 3 Frio como um contrato

Helena acordou com um silêncio estranho pairando pela cobertura.

Nada de música ambiente tocando na cozinha, nem o barulho das teclas do notebook de Caio no escritório. A casa estava parada, como se respirasse fundo antes de algo desabar.

Desceu as escadas lentamente e encontrou a mesa posta - mas apenas para uma pessoa. Havia um bilhete ao lado do prato:

"Reunião de emergência. Não me espere. – Caio"

Ela soltou um suspiro. Mais uma manhã ignorada. Mais uma tentativa dele de mantê-la afastada. Não entendia o que havia feito para merecer aquele tratamento. Eles haviam deixado os termos claros: casamento de fachada, sem envolvimento, com discrição. Ela cumpria sua parte. Saía, vivia, voltava. Não exigia nada dele.

E mesmo assim... ele parecia odiá-la um pouco mais a cada dia.

Do outro lado da cidade, no prédio da Vasconcellos Corp, Caio revia as imagens do estacionamento onde o segurança havia desaparecido. Estava impaciente.

- Nenhuma movimentação suspeita? Nenhuma câmera que tenha pegado algo útil? - rosnou.

O analista balançou a cabeça.

- Só ele entrando no carro. Depois, o veículo aparece sozinho, estacionado. E o celular... foi desligado manualmente. Não há rastro.

Caio bateu o punho na mesa.

- Isso é um recado. Estão mexendo comigo. Com minha imagem. - Ele olhou para o advogado ao lado. - E eu não vou permitir.

- Podemos acionar a polícia - sugeriu o homem, hesitante.

- Não. Isso chamaria atenção da imprensa. Vamos resolver internamente.

O analista engoliu seco, assentindo.

- E... sobre sua esposa?

Caio girou a cadeira lentamente, voltando os olhos para o vidro que dava vista à cidade.

- Continue seguindo ela. Mas sem mais erros. Se algo acontecer com Helena, esse casamento de fachada vira manchete de escândalo. E minha reputação vai junto.

Naquela noite, Helena estava no quarto lendo quando ele entrou. A porta se abriu com força demais, e ela ergueu os olhos assustada. Caio jogou o paletó em cima da poltrona, afrouxou a gravata com agressividade e foi direto para o closet.

- Você jantou? - ela arriscou.

- Isso te importa agora?

Ela franziu o cenho.

- Só estou tentando manter uma boa convivência.

- Convivência exige respeito. E sumir todos os dias sem explicação não é exatamente respeitoso.

Helena deixou o livro de lado.

- Eu não estou te traindo. Quantas vezes vou ter que repetir isso?

Ele saiu do closet vestindo uma camisa cinza, os olhos escuros cravados nela.

- Você acha que é sobre traição? Não é. É sobre controle. Sobre aparência. Você é minha esposa - nem que seja só no papel - e está se comportando como uma adolescente rebelde.

- E você se comporta como um tirano. Frio, grosseiro, cruel. Eu acordo e você já saiu. Eu tento conversar e você ataca. O que foi que eu fiz, Caio?

Ele riu, sem humor.

- Você existe. E isso já é um problema grande o suficiente.

Helena ficou sem fala por um momento. Suas mãos tremeram levemente no colo.

- Por que você me odeia tanto?

- Eu não te odeio - ele respondeu, seco. - Eu só não gosto de depender de ninguém para manter a minha imagem limpa. E você me lembra o tempo todo de que essa farsa precisa de outra pessoa para funcionar.

Ela engoliu a dor que veio com aquelas palavras. O vazio dentro do peito cresceu.

- Você é pior do que dizem.

- E você é mais ingênua do que imaginei. Acha que alguém como eu chega onde cheguei sendo gentil?

Ele virou as costas e saiu do quarto sem dizer mais nada.

No dia seguinte, Helena se trancou no escritório improvisado que Caio havia liberado para ela usar. Passou horas desenhando, escrevendo, buscando alguma válvula de escape. Precisava encontrar uma forma de não enlouquecer ali dentro. Mesmo com todo o luxo, aquele lugar começava a parecer uma prisão de vidro.

Do outro lado da cidade, Caio recebia uma nova pasta, dessa vez com fotos dela na floricultura, na livraria, em uma banca de jornais. Em todas, sozinha. A única imagem suspeita era com a professora universitária - a mulher estava com a mão sobre a dela em uma mesa de café.

"Confiança é uma moeda rara, Sr. Vasconcellos. Você está gastando a sua."

Caio jogou a pasta na lareira de seu escritório particular e observou o papel queimando com frieza. Alguém estava tentando deixá-lo paranoico. Estavam vencendo.

Naquela noite, Helena decidiu não subir para o quarto. Ficou sentada na sala, vendo a cidade pela janela. Quando Caio chegou, ela não disse nada.

Ele passou direto, mas deu meia-volta ao notar a luz acesa.

- O que está fazendo aqui embaixo?

- Esperando você me tratar como gente.

Ele se encostou na parede, cruzando os braços.

- Você quer uma conversa agora?

- Eu quero entender. Por que me trata como inimiga? Por que parece querer que eu desista desse contrato?

- Porque eu não gosto de me sentir vulnerável - ele admitiu, sem piscar. - E você, com essa calma, essa liberdade... me lembra que eu não sou invencível.

Helena ergueu uma sobrancelha.

- Então você me odeia porque eu não sou miserável como você?

- Eu te desprezo porque você me lembra que eu tive que criar uma mentira pra continuar no topo.

Ela levantou-se lentamente, se aproximando.

- Eu não criei essa mentira. Só aceitei entrar nela. Porque precisava.

- E eu não vou te pedir desculpas por ser duro. A vida me fez assim. Você está aqui por escolha. Não é vítima.

- Não. Mas estou pagando um preço. Alto demais.

Os dois ficaram frente a frente por segundos intensos. Nenhum moveu um músculo.

Na madrugada, Caio recebeu um novo aviso, dessa vez em seu celular pessoal. Um vídeo curto. Alguém filmando Helena andando por uma rua deserta, à noite. O celular dela na mão, distraída.

A voz masculina, baixa, dizia:

"Você não está mais no controle. Ela é a chave. E eu vou usá-la."

Caio levantou-se imediatamente, o coração acelerado - não de medo, mas de raiva. Alguém estava tocando no que era dele. Alguém estava ameaçando sua imagem, sua autoridade. Isso ele não perdoava.

Chamou Marcos, seu homem de confiança.

- Quero saber quem está por trás disso. Use todos os recursos. E, se necessário... jogue sujo.

Enquanto isso, Helena dormia no quarto de hóspedes. Não por birra, mas por exaustão. Precisava de ar. De espaço.

Mas antes de fechar os olhos, olhou para a aliança no dedo e sussurrou:

- Por que você me odeia tanto, Caio?

Lá fora, o mundo observava. E os olhos que vigiavam a vida do CEO e sua esposa agora estavam mais perto do que nunca.

            
            

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