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A segunda-feira começou como qualquer outra na Floricultura Aurora: com o cheiro de flores frescas, folhas caídas no chão e a correria habitual de Íris organizando os pedidos antes que Elias começasse a reclamar do mundo.
- Íris, presta atenção nesse pedido aqui! - resmungou ele, aproximando-se com um papel amassado na mão. - É grande. Um arranjo completo pra um evento de gala, e precisa ser entregue na quarta à noite.
Ela pegou o papel com cuidado, lendo os detalhes. Mas, ao ver o nome do solicitante, sua expressão se alterou levemente.
VTX Corp. – Sr. Domenico Vitale.
- Tem certeza que é pra nós? - perguntou, franzindo o cenho.
- Absoluta. Foi a assistente dele que ligou. Disse que queria algo elegante, minimalista, mas com presença. Especificou tons neutros, orquídeas brancas e folhagens exóticas. E pediu que a entrega fosse feita pessoalmente por você.
Íris estreitou os olhos. Aquilo era estranho. Muito estranho.
- Disse meu nome?
- Disse sim. Achei curioso, mas você já entregou naquele prédio antes, não? Talvez tenha gostado do serviço.
Íris assentiu lentamente. Era verdade. Mas algo a incomodava. Ela não era de criar paranoias, porém nunca havia tido pedidos tão específicos - ainda mais com exigência de entrega pessoal.
Suspirou.
- Tudo bem. Eu mesma levo.
Domenico estava no escritório quando recebeu a confirmação da assistente.
- Está tudo certo, senhor. A entrega será feita na quarta-feira às 18h. A florista... Íris Martins, como solicitado.
- Perfeito - disse ele, simplesmente.
Mas por dentro, seu coração bateu com um pequeno descompasso. Era o momento. O reencontro. E dessa vez, ele queria mais do que observá-la de longe.
Não sabia exatamente o que buscava, nem o que faria com aquilo. Só sabia que não queria deixar passar a oportunidade de conhecê-la.
Na quarta-feira, Íris escolheu uma roupa simples para a entrega: calça preta de alfaiataria, blusa branca de manga comprida e uma sapatilha confortável. O cabelo preso em um rabo de cavalo, maquiagem leve. Nada que chamasse atenção demais, mas ainda assim elegante.
Ela montou o arranjo com o máximo de cuidado: orquídeas brancas suspensas sobre um vaso espelhado, rodeadas por folhagens verdes e pontos de luz com lírios brancos pequenos. Era delicado, mas imponente. Exatamente como o pedido descrevia.
Às 17h20, ela saiu da loja e pegou um táxi até o prédio da VTX. Queria chegar com tempo de sobra para evitar qualquer problema.
Durante o caminho, tentava não pensar no fato de que veria o mesmo homem de novo. Sim, ela se lembrava dele. Aquele olhar penetrante, a postura firme. Era impossível esquecer. Mas não era o tipo de mulher que ficava alimentando fantasias com homens ricos e inalcançáveis.
Ela era realista. E se Domenico realmente a tinha notado, só podia ser por capricho ou curiosidade passageira. Nada mais.
Na recepção da VTX, o segurança avisou pelo interfone que a florista havia chegado. Minutos depois, uma jovem de terno escuro e postura firme apareceu no hall.
- Senhorita Íris? Por favor, pode me acompanhar. O sr. Vitale pediu que o arranjo fosse deixado diretamente no salão executivo.
Íris hesitou por um segundo, mas assentiu.
Seguiu pelos corredores elegantes, onde o cheiro de madeira e couro dominava o ambiente. O prédio era luxuoso, silencioso, quase intimidador. Tudo nela parecia destoar daquele lugar - mas, ao mesmo tempo, sua presença tinha algo que o preenchia.
Quando a porta se abriu, Domenico estava sozinho na sala.
Ele se levantou, vestindo um terno cinza-escuro impecável, a gravata afrouxada e os punhos da camisa dobrados. Parecia mais informal, mas ainda assim imponente. Os olhos foram direto para ela, com a intensidade de quem esperava ansioso.
- Senhorita Martins - disse ele, com um leve aceno de cabeça. - Que bom revê-la.
Íris manteve a postura.
- Boa tarde, senhor Vitale. Aqui está o arranjo, conforme solicitado. Onde devo colocá-lo?
Ele apontou para a mesa de reuniões ao lado da janela. Ela caminhou até lá e posicionou o vaso com cuidado.
O silêncio na sala era denso. Domenico a observava com atenção, como se cada movimento dela fosse parte de uma dança coreografada.
- Ficou perfeito - comentou ele, quebrando o silêncio. - Sua sensibilidade é admirável.
- Obrigada. Faço o melhor possível - respondeu, ainda sem encará-lo diretamente.
Ele se aproximou um pouco mais, sem invadir seu espaço.
- Me diga... você gosta do que faz?
Íris ergueu os olhos, agora curiosa.
- Sim. Não é glamouroso, mas gosto. Gosto das flores. Elas são sinceras.
- Sinceras?
- Flores não fingem ser algo que não são. Ou florescem, ou murcham. E a maioria das pessoas não é assim.
Domenico esboçou um leve sorriso. Aquilo o intrigava.
- Você é diferente, Íris.
Ela arqueou uma sobrancelha.
- Somos todos diferentes. Só não costumo cruzar com homens como o senhor. Aposto que não costuma conversar com floristas.
- Raramente - admitiu ele, sem vergonha. - Mas talvez devesse fazer isso mais vezes.
Ela não respondeu. Havia algo nele que a deixava alerta. Não era medo, mas uma sensação de que havia um jogo invisível sendo jogado.
- Se precisar de outro arranjo, pode solicitar pela loja - disse, seca, quebrando o clima. - O número está no cartão.
Ela se virou, pronta para ir, mas ele deu um passo à frente.
- Íris.
Ela parou, ainda de costas.
- Sim?
- Espero vê-la novamente.
Ela se virou lentamente, os olhos firmes nos dele.
- Se o senhor quiser flores, estarei à disposição. Só flores.
Ele assentiu, aceitando a resposta. Mas dentro de si, Domenico sabia que estava cada vez mais envolvido naquela história que não planejou começar.
Íris saiu da torre com o coração acelerado.
Não era amor. Não era encanto. Era desconfiança. Curiosidade.
Domenico Vitale não era o tipo de homem que fazia pedidos pessoais para uma florista qualquer. Algo ali estava fora do comum. E ela, por instinto, começava a erguer barreiras invisíveis.
Na VTX, Domenico se recostou na poltrona com o olhar perdido.
Ela era ainda mais impressionante do que lembrava. Não apenas pela beleza - que era indiscutível -, mas pela presença firme, pela ausência de bajulação. Havia algo inabalável nela. E isso o desafiava.
Pegou o celular e digitou uma mensagem para Luísa:
"Descubra quando ela estará de folga na loja. Discretamente."
Ele não estava pronto para desistir. Mas sabia que, para conquistar Íris, teria que fazer algo que nunca havia feito antes.
Ir devagar.