Capítulo 3 Regras

Na cobertura da VTX Tower, Domenico Vitale estava inquieto.

Não era comum. Ele, o homem conhecido por seu autocontrole, pela frieza cirúrgica com que tomava decisões que moviam bilhões, agora se via olhando pela janela mais do que para as telas dos relatórios.

- Luísa - chamou, sem tirar os olhos do vidro.

- Sim, senhor?

- Você se lembra da jovem que encontramos no Centro de Artes? A moça das flores.

A assistente levantou os olhos da prancheta, surpresa. Era raro Domenico lembrar de alguém fora dos círculos de poder.

- Sim. Íris, se não me engano. Ela trabalha em uma floricultura, certo?

- Isso. Descubra o nome da loja, o endereço e quem é o proprietário. Mas faça com descrição. Não quero que descubram que estou interessado.

Luísa franziu os lábios, mas assentiu. Trabalhar com Domenico significava saber o momento de não fazer perguntas.

Enquanto isso, Íris seguia sua vida como de costume.

Naquela semana, o movimento na Floricultura Aurora aumentara por conta do festival Primavera de Monterra. Com isso, os arranjos especiais estavam sendo solicitados em grande quantidade, exigindo que Íris estendesse o expediente até às nove da noite.

Cansada, ela não tinha tempo para pensar em mais nada. Seu foco era simples: trabalhar, cuidar dos irmãos, ajudar os pais e manter a dignidade. Amar, sonhar, se encantar com alguém? Não agora. Talvez nunca. A vida tinha sido clara sobre prioridades.

Na terça-feira, enquanto preparava um buquê de lírios brancos e rosas lavanda, seu patrão apareceu atrás do balcão com um bilhete.

- Íris, nova entrega. Prédio comercial no setor executivo da Avenida Varela. A moça da recepção quer arranjo novo toda quarta.

- Está bem - respondeu ela, limpando as mãos no avental. - É pra agora?

- O quanto antes.

Ela montou o arranjo com rapidez e cuidado, colocou-o na caixa de transporte e seguiu para a avenida mais luxuosa da cidade.

Do outro lado, na torre da VTX, Luísa entrou discretamente na sala de Domenico com uma pequena pasta em mãos.

- Floricultura Aurora - ela disse. - Localizada no Jardim Eldora. Proprietário: Elias Monteiro. Pequena, mas bem avaliada. Atende eventos importantes na região central, inclusive museus e algumas empresas de alto padrão. A jovem se chama Íris Martins. Mora com os pais e dois irmãos. Sem registros em redes sociais. Nem perfis públicos no LinkedIn ou Instagram.

Domenico ergueu uma sobrancelha, intrigado.

- Isso é incomum.

- Também achei. Parece manter a vida pessoal bem reservada. E... tem outra coisa. Ela fará uma entrega hoje no prédio da Magazine Elite Monterra. Eles pedem flores novas toda quarta-feira, e ela foi designada para o serviço.

Ele não comentou. Mas a notícia ativou algo nele. Era como se o universo estivesse testando sua resistência.

Íris chegou ao prédio da revista com os cabelos soltos naquela tarde. Tinha deixado o coque de lado por causa do calor e os fios castanhos ondulados caíam pelas costas como um rio. Vestia calça jeans simples e uma blusa verde-musgo de tecido leve, amarrada na cintura com um nó. Elegância sem esforço.

Assim que entrou no hall principal, os olhos dos seguranças a seguiram. Um deles, mais ousado, chegou a soltar um assobio baixo quando ela passou com a caixa de flores nos braços.

- Boa tarde - ela disse, sem mudar o tom da voz, ignorando os olhares. - A recepção da Elite Monterra fica no sétimo andar?

- Elevador à esquerda - respondeu um deles, com um sorriso que Íris fingiu não ver.

Subiu sozinha, em silêncio, com o coração apenas focado no que tinha de fazer. Não pensava em homens. Não pensava em ninguém.

Mas o destino parecia estar escrevendo outra história.

Na manhã seguinte, Domenico estava no carro com seu motorista, indo para uma reunião no mesmo setor da cidade.

- Passe pela Varela - ordenou ele.

- Senhor, é um desvio. A rota direta...

- Eu disse pela Varela.

O motorista assentiu, acostumado às ordens repentinas do chefe. Passar pela Varela significava cruzar o coração empresarial de Monterra - e, eventualmente, passar em frente à floricultura.

Domenico manteve o olhar pela janela. Quando avistou a pequena fachada da loja, o coração acelerou de forma desconcertante. Era modesta, charmosa, com vasos pendurados na entrada e um letreiro antigo que dizia: Aurora – Flores e Sentimentos.

Por um momento, ele cogitou descer.

Mas não. Ainda era cedo.

Naquela sexta-feira, Íris voltou para casa mais cedo que o normal. Elias tinha dispensado os funcionários por conta de uma inspeção que atrasaria os pedidos. Foi a primeira tarde livre em semanas.

- Mãe, vou ao mercado comprar as frutas. Quer que traga algo? - gritou ao entrar.

Clara, da cozinha, respondeu algo que ela não entendeu direito, mas Íris já sabia: ovos, arroz e se coubesse, um quilo de carne.

Com a cesta de pano no braço, ela desceu a rua, acenou para vizinhos e seguiu andando pela avenida principal do bairro. O vento balançava seus cabelos soltos e a saia longa que ela usava. Sua presença chamava atenção mesmo entre carrinhos de feira e vendedores gritando promoções.

Domenico não estava por ali. Mas se estivesse, teria visto algo que ninguém jamais capturaria em câmeras: a forma como ela caminhava no mundo sem saber o impacto que causava.

No sábado, Domenico saiu de um almoço com investidores e pediu ao motorista um destino inusitado:

- Me leve até a Praça Flamboyant. Devagar.

- A praça... no Jardim Eldora?

- Sim.

Luísa teria protestado. Mas ali, só com o motorista, Domenico parecia outro.

Ele queria entender por que aquela jovem não saía da cabeça dele. Não era carência - isso não existia em sua vida. Tinha mulheres quando quisesse. Poder, prestígio, luxo. E ainda assim... havia algo nela.

Algo que desafiava sua lógica fria.

Chegando à praça, ele viu crianças brincando, senhores jogando dominó e senhoras conversando nos bancos. Era um outro mundo. E ali, como se o universo conspirasse de novo, estava ela.

Íris.

Sentada na sombra de uma árvore, com um livro na mão e os cabelos presos em uma trança lateral. Vestia uma blusa branca simples e uma saia de algodão azul. O rosto estava calmo, atento à leitura. Os pés descalços tocavam a grama.

Domenico não saiu do carro.

Apenas observou.

E pela primeira vez, sentiu que, por mais que fosse o homem mais poderoso de Monterra... havia coisas que ele não podia simplesmente mandar trazer.

Íris não viu o carro preto estacionado do outro lado da praça.

Não viu os olhos que a estudavam com fascínio contido.

Ela apenas seguiu sua leitura, sem saber que já era a peça principal de um jogo que estava começando - e cujas regras ela ainda não conhecia.

            
            

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