Capítulo 2 Flor entre concreto

Íris Martins não fazia ideia de que havia chamado a atenção do homem mais poderoso de Monterra.

Para ela, aquele breve encontro no Centro de Artes havia sido só mais um acidente entre muitos que ocorriam no corre-corre do dia a dia. Afinal, viver naquela cidade significava estar sempre um passo atrás do tempo, correndo contra os boletos, os imprevistos e o trânsito caótico que parecia ter nascido junto com as ruas.

Ela seguiu com sua entrega, checou os outros arranjos, limpou discretamente a sujeira do pedestal onde o vaso quase havia caído e, antes que alguém percebesse sua presença, saiu pelos fundos do prédio com o carrinho de transporte de flores.

O sol já estava alto, e Monterra pulsava com o barulho dos carros, o vai-e-vem das pessoas apressadas e as sirenes esporádicas que cortavam o ar como facas invisíveis.

Íris prendeu novamente os cabelos em um coque frouxo, puxando algumas mechas rebeldes para trás das orelhas. Ela não gostava de chamar atenção. Era discreta por natureza. Mas sua beleza a desmentia.

Íris era o tipo de mulher que fazia o tempo desacelerar por um instante, mesmo que ela não percebesse.

Sua pele tinha um tom dourado, suave, como quem cresceu sob o sol, e os olhos castanhos claros pareciam iluminar o rosto mesmo nos dias nublados. Os cílios longos, curvados naturalmente, davam a ela um ar de inocência ao mesmo tempo em que escondiam uma força interna inabalável. Os lábios, bem desenhados, raramente se abriam em sorrisos grandes, mas quando o faziam, iluminavam tudo ao redor.

Seus traços eram harmoniosos, como se a natureza tivesse sido generosa em cada detalhe - o nariz fino, as maçãs do rosto suaves, o queixo delicado. Ela tinha um ar etéreo, mas com os pés bem firmes no chão.

A beleza de Íris era frequentemente notada pelos homens da cidade - desde os balconistas das padarias até empresários ricos que a viam por acaso nas entregas. Havia uma aura de algo inalcançável nela. E, de fato, era.

Íris nunca deu abertura para nenhum deles. Não por orgulho, mas por convicção. Sabia o tipo de interesse que despertava e nunca quis ser vista como um troféu, um enfeite ou uma conquista a mais em uma lista.

Ela havia nascido no bairro do Jardim Eldora, uma parte antiga de Monterra, afastada dos arranha-céus espelhados e da ostentação do centro financeiro. Era uma região de casas simples, ruas estreitas e muito verde. Ali, as pessoas ainda se conheciam pelo nome, trocavam pães, ajudavam-se nos dias difíceis.

O pai de Íris, Manoel Martins, fora jardineiro por quase trinta anos antes de se aposentar devido a problemas na coluna. A mãe, Clara, costureira desde os doze anos, passava os dias em frente à sua velha máquina Singer reformando vestidos e criando peças sob encomenda.

Íris era a mais velha de três irmãos. Assumira responsabilidades cedo, ajudando a mãe com os menores, trabalhando aos fins de semana desde os quatorze anos para complementar a renda da família.

Ela estudara em escola pública e sempre tirara boas notas. Sonhava em fazer faculdade de botânica ou agronomia, mas adiara esse desejo em nome da sobrevivência imediata. A floricultura Aurora, onde trabalhava atualmente, era sua fonte principal de renda. Não era um emprego dos sonhos, mas era honesto - e rodeada de flores, ela sentia alguma paz.

- Você devia ser modelo, menina - dizia constantemente Dona Amélia, a vizinha do lado. - Olha essa cara, esse corpo... essas pernas. Não tem um homem aqui da rua que não babou em você.

Íris apenas sorria com educação.

- Obrigada, dona Amélia. Mas beleza não paga conta. E modelo, eu? Não tenho nem altura pra isso.

Ela tinha 1,68m, corpo curvilíneo, bem proporcionado, sem exageros. Caminhava com leveza, e seus gestos eram sempre contidos, elegantes, como se tivesse vindo de outro tempo.

Na floricultura, Íris era conhecida por sua eficiência. Começava o expediente antes das sete, preparando os buquês, separando as encomendas e lidando com clientes - alguns gentis, outros exigentes ao extremo.

Seu patrão, Seu Elias, era um senhor rabugento, mas tinha certo carinho por ela. Sabia que Íris carregava nas costas mais do que a própria juventude deveria aguentar. E, no fundo, admirava sua força silenciosa.

- Não entendo como você aguenta esse tipo de gente - murmurou ele, certa tarde, depois de um cliente rico destratar Íris porque ela se atrasou cinco minutos para entregar uma coroa de flores em um funeral.

- Eu só penso que talvez ele esteja sofrendo - respondeu ela, com um encolher de ombros. - As pessoas ficam amargas quando estão tristes. Eu já vi isso em casa.

Seu Elias a olhou por alguns segundos e apenas assentiu. Não havia o que dizer. Íris era diferente.

Naquela noite, ao voltar para casa, Íris passou por três homens na esquina do beco da padaria. Eles pararam de conversar assim que a viram.

- Boa noite, princesa - disse um deles, com um sorriso enviesado.

- Que perfume é esse? - perguntou o outro. - Já tá indo dormir ou tá esperando convite?

Íris manteve o olhar fixo à frente, sem alterar o ritmo dos passos. Já havia aprendido que encarar, ignorar com raiva ou responder fazia tudo piorar. Seu silêncio e postura firme eram sua única defesa.

Não se deixava intimidar. Mas não deixava de sentir, também, o cansaço de ser desejada por olhos que não enxergavam quem ela era. Apenas o que viam por fora.

Na manhã seguinte, Íris acordou cedo e pegou o ônibus lotado até o centro. Tinha novas entregas na região empresarial, o que significava subir e descer ladeiras, enfrentar porteiros impacientes e esperar longos minutos em elevadores luxuosos que a tratavam como invisível.

Ela usava um vestido simples, de tecido leve e floral, e sandálias confortáveis. O cabelo, novamente preso, balançava quando caminhava depressa pelas calçadas.

Ao passar pela frente da VTX Tower, ela não notou os olhos que a observavam de uma janela no 32º andar.

Domenico Vitale estava de pé, parado, com a mão no bolso e um café intocado sobre a mesa. Seus olhos acompanharam o vulto de Íris cruzando a rua com o carrinho de flores. Algo nele se retesou. Era o segundo dia que pensava nela, embora nunca fizesse esse tipo de coisa.

"É só curiosidade", disse a si mesmo. "Uma distração."

Mas mesmo sabendo que aquela jovem nada tinha a ver com o seu mundo, sua mente insistia em retornar ao instante em que os olhos dela encontraram os seus. Havia uma firmeza ali - uma ausência de fascínio, de submissão, que o desconcertava.

Ela não o havia reconhecido. Ou, se reconheceu, não se importou. Não tentou tirar foto, não pediu nada, não agiu como todas as outras.

E isso, de alguma forma inexplicável, mexeu com ele.

Do lado de fora, Íris entregava flores no hall da Revista Elite Monterra, sem nem imaginar que seu destino já havia cruzado com o de alguém capaz de mudar sua vida inteira.

Mas ela não estava apaixonada.

Ainda não.

E talvez levasse tempo até perceber que o homem que ela pensava ter sido só mais um cliente educado... estava muito longe de ser alguém comum.

Muito longe de ser passageiro.

            
            

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