Sofia viajou para outro estado. Um lugar pequeno, discreto, onde ninguém a conheceria.
Clara arranjou tudo. Uma clínica pequena, um médico recomendado.
O procedimento seria feito sob um nome falso.
Ricardo não podia desconfiar. Ele ainda acreditava que ela estava radiante com a gravidez.
A tensão era constante, um nó no estômago que não se desfazia.
Na noite anterior ao procedimento, sentada no quarto de hotel barato, o telemóvel vibrou.
Outra mensagem de Beatriz.
Desta vez, um vídeo. Longo. Explícito.
Beatriz e Ricardo. Na cama deles. Na cama que Sofia partilhava com ele.
Risos, sussurros, gemidos.
Sofia assistiu a tudo, o rosto banhado em lágrimas silenciosas. Uma dor excruciante rasgava-a por dentro.
Mas, no meio daquela agonia, uma constatação ainda mais dolorosa: ela ainda o amava.
Amava o homem que a estava a destruir. Ou talvez amasse a memória do que ele tinha sido, ou do que ela pensara que ele era.
Com os dedos a tremer, ligou para Ricardo. Uma última vez. Uma tentativa desesperada.
"Ricardo?"
A voz dele soou distante, irritada.
"Sofia? O que foi? Estou ocupado."
"Podes voltar para casa? Agora?" A voz dela era um sussurro.
"Voltar? Estou numa reunião importante. Não posso sair."
Silêncio. Depois, ele disse, com frieza:
"Resolve o que tens a resolver. Falamos depois."
E desligou.
Pela primeira vez em todos aqueles anos, ele desligou o telemóvel na cara dela.
Aquele clique foi o som final da porta a fechar-se.
Sofia largou o telemóvel. As lágrimas secaram. Uma frieza instalou-se no seu peito.
Ela iria em frente com o aborto.
Clara ligou no dia seguinte.
"Está tudo pronto. O iate está 'alugado' . O percurso definido. A 'tempestade súbita' no radar meteorológico é cortesia de um amigo meu. Ninguém vai desconfiar."
Sofia passou a noite em claro, a chorar baixinho, abraçada ao travesseiro do hotel.
O seu bebé. O seu sonho roubado.
Ricardo voltou para casa dois dias depois, radiante.
Alheio à tempestade que se formava dentro de Sofia.
"Tenho uma surpresa para ti, meu amor!"
Ele mostrou-lhe fotografias. Uma ilha particular. Praias de areia branca, águas cristalinas.
"Para o nosso bebé. Um refúgio só nosso."
Sofia olhou para as fotos, o rosto uma máscara de indiferença.
"É linda," disse, a voz vazia.
Ela chorou incontrolavelmente naquela noite, nos braços dele.
Ele embalou-a, preocupado.
"O que se passa, meu anjo? São os hormônios da gravidez? Vais ver que passa."
Ele não fazia ideia. Não entendia que aquelas lágrimas eram de despedida.
Pelo filho que não teria. Pelo amor que morrera. Pela vida que estava prestes a abandonar.
Nos dias seguintes, Sofia inventou uma desculpa.
Queria encontrar amigos da universidade, antigos mentores. Uma espécie de "despedida" antes de uma suposta longa viagem de repouso que faria por causa da gravidez.
Ricardo, sempre o marido dedicado, insistiu em acompanhá-la.
"Quero conhecer as pessoas que foram importantes para ti, meu amor."
Nos encontros, ele era charmoso, generoso.
Elogiava Sofia, contava histórias engraçadas sobre o início do namoro deles.
Os amigos dela olhavam para ele com admiração. "Que sorte a tua, Sofia! Um homem assim!"
Sofia sorria, um sorriso que não lhe chegava aos olhos. Mantinha uma distância emocional, um véu de tristeza que Ricardo atribuía aos "caprichos da gravidez" .
Ela observava-o, como se fosse um estranho. Tentava memorizar os gestos, o tom de voz.
A fachada era perfeita. O casal ideal.
Numa dessas reuniões, um jantar informal na casa de uma antiga professora, a porta abriu-se de repente.
Beatriz Costa entrou, um sorriso triunfante nos lábios.
A atmosfera da sala mudou instantaneamente. O ar ficou pesado, carregado de uma tensão palpável.
Sofia sentiu o sangue gelar nas veias.