"Sabiam que esta marca de vinhos que estão a beber," ela apontou para as garrafas na mesa, uma marca de luxo, "é minha? Um dos meus pequenos empreendimentos. Financiado, claro, pela generosidade do Ricardo. Ele é tão bom a apoiar os talentos certos."
A insinuação era clara. A influência dela sobre ele. O poder dela.
Ricardo levantou-se, o rosto uma máscara de fúria.
"Beatriz! O que estás a fazer aqui?"
Ele agarrou-a pelo braço, com força.
"Sai daqui. Agora."
Beatriz riu, um som agudo.
"Calma, Ricardinho. Só vim dar um olá."
Ele não hesitou. Deu-lhe uma bofetada. O som ecoou pela sala silenciosa.
Beatriz levou a mão ao rosto, os olhos a faiscar de ódio.
"Vais pagar por isto," ela sibilou, antes de se virar e sair, tão subitamente como entrara.
Ricardo voltou-se para os convidados, a tentar recompor-se.
"Peço desculpa por esta cena lamentável. Esta mulher... ela não está bem."
Sofia sentia-se pálida, o estômago a revirar. A humilhação pública.
"Preciso de apanhar ar," murmurou, levantando-se.
Ricardo tentou segurá-la. "Sofia, espera."
Ela desviou-se dele, caminhando para a varanda. Queria ficar sozinha, longe dos olhares curiosos, da pena disfarçada.
Beatriz estava à espera dela no corredor, como uma predadora.
"Não penses que ganhaste," disse Beatriz, a voz baixa e venenosa. "Ele pode ter-me expulsado agora, para manter as aparências contigo. Mas o coração dele está a mudar, Sofia. Os filhos... eles mudam tudo."
Sofia não respondeu. Apenas a olhou com um cansaço infinito.
Nesse momento, o telemóvel de Ricardo tocou.
Ele atendeu, o rosto tenso.
"Alô?... O quê?... Calma, Beatriz, estou a ir."
Ele desligou, o olhar dividido entre Sofia e a porta. Hesitou por um instante.
"Os gémeos... estão com febre alta. Beatriz está sozinha, desesperada."
Ele largou a mão de Sofia, que ainda segurava frouxamente.
"Eu preciso de ir."
E foi. Deixou-a ali, no meio da festa arruinada, para acudir a outra família.
A confirmação das palavras de Beatriz. As prioridades dele estavam a mudar.
Sofia voltou para dentro, despediu-se rapidamente dos amigos, a cabeça a latejar.
No carro, a caminho de casa, o telemóvel dela apitou.
Um vídeo de Beatriz.
Ricardo estava sentado na beira da cama, a embalar um dos gémeos. Beatriz filmava, chorosa.
"Oh, Ricardo, ainda bem que vieste. Eu estava tão assustada."
"Calma, meu amor, já passou. Eu estou aqui." A voz dele era suave, carinhosa. A mesma voz que usava com Sofia.
Depois, a câmara focou em Beatriz.
"Ele vai dar-me a ilha, Sofia. Aquela que prometeu para o teu... bebé. Disse que eu e as crianças merecemos mais."
O vídeo terminou.
Sofia sentiu uma exaustão profunda, uma náusea que não era da gravidez fantasma.
As ações dele eram um padrão. A devoção, os presentes, as palavras doces. Nada era exclusivo. Tudo era duplicado, replicado, distribuído conforme a conveniência.
Ela não era especial. Era apenas mais uma.
A decisão de partir, de simular a morte, solidificou-se. Não havia mais dúvidas, nem hesitações.
Era a única forma de se libertar daquele ciclo doentio.