Não Me Toques: A Recusa da Vítima
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Capítulo 4

No dia seguinte, Sofia disse a uma das suas antigas mentoras da universidade, uma senhora idosa e sábia chamada Dona Helena, que iria viajar.

"Preciso de um tempo para mim, antes do bebé nascer."

Dona Helena, percebendo a tristeza nos olhos de Sofia, apesar do sorriso forçado, convidou-a para um passeio.

Levaram-na a uma capela pequena e isolada, no alto de uma colina, com vista para o mar. Um lugar de paz.

Um padre idoso, de rosto sereno, cumprimentou-as.

Ao ver Sofia, os olhos do padre brilharam com reconhecimento.

"Sofia Almeida. Eu lembro-me de si. Ou melhor, do seu marido."

Sofia franziu a testa, surpreendida.

"O meu marido?"

"Sim. Ricardo Oliveira. Há cerca de um ano, ele veio aqui. Fez uma doação generosa para a capela. E fez uma peregrinação... dolorosa."

O padre hesitou.

"Ele caminhou descalço por quilómetros, desde a cidade até aqui. Chegou com os pés em sangue. Rezou durante horas, aqui neste altar."

Sofia sentiu um arrepio. Um ano atrás. Quando eles estavam a tentar engravidar, sem sucesso.

"Ele rezou por si, minha filha. Pediu um milagre. E deixou isto."

O padre tirou de uma pequena caixa de madeira uma medalha benta, de prata.

"Ele pediu para que eu a guardasse e a entregasse a si, se alguma vez a visse por aqui, ou se ele pedisse. Disse que era para a sua proteção."

Sofia pegou na medalha, o metal frio na palma da sua mão. Uma onda de emoções contraditórias a invadiu.

Aquele sacrifício... aquela fé...

Então, o padre continuou, a voz suave.

"Ele encomendou mais três, iguais a esta. Pediu que fossem bentas também."

O coração de Sofia parou.

"Mais três?"

"Sim," disse o padre, inocentemente. "Uma para uma senhora chamada Beatriz. E duas mais pequenas, para os filhos gémeos dela."

A medalha na mão de Sofia pareceu queimar.

A devoção dele, a fé dele, também eram duplicadas. Compartilhadas.

A amargura voltou, mais forte do que nunca. Aquele gesto, que parecera tão significativo, era apenas mais uma farsa.

Ricardo voltou para casa nessa noite, e encontrou Sofia estranhamente quieta.

Ele sentiu uma inquietação, um pressentimento.

"Está tudo bem, meu amor?"

"Sim," ela respondeu, a voz distante. "Só estou cansada."

Na manhã seguinte, Sofia fez o pedido.

"Ricardo, o nosso aniversário de casamento está a chegar. Eu queria ir buscar um presente especial, num lugar um pouco distante. Gostaria de ir sozinha, no nosso iate. Para pensar, para ter um momento só meu."

Era o pretexto. O início do fim.

Ele hesitou. A ideia de ela viajar sozinha no iate, mesmo com tripulação, não lhe agradava. O sistema de localização.

"Tem a certeza, Sofia? Não quer que eu vá consigo?"

"Tenho. Por favor. É importante para mim."

Ele cedeu, relutante. "Está bem. Mas promete que te cuidas."

Enquanto Ricardo estava no escritório, Sofia começou a sua despedida silenciosa.

Juntou todos os presentes que ele lhe dera ao longo dos anos. As joias, as roupas de marca, os objetos de arte.

Colocou tudo em caixas. Para doação. Para o lixo.

Pegou nos álbuns de fotografias. As viagens, os sorrisos, os momentos felizes.

Tudo mentira.

Levou-os para a lareira da sala de estar. Acendeu o fogo.

E começou a rasgar as fotografias, uma por uma, atirando os pedaços para as chamas.

Ricardo voltou mais cedo nesse dia. Um mau pressentimento o acompanhara o dia todo.

Encontrou-a na sala, o fogo a crepitar, o cheiro a papel queimado no ar.

Ele viu o que ela estava a fazer. Os álbuns destruídos, as memórias a serem consumidas pelas chamas.

"Sofia! O que estás a fazer?!"

Ele correu para a lareira, tentando salvar o que restava de um álbum. Queimou a mão nas brasas.

"Ai!"

Sofia virou-se, os olhos frios.

"Cuidado, Ricardo. Podes magoar-te."

Ela aproximou-se, pegou na mão dele, examinou a queimadura com uma falsa preocupação.

"Deixa-me pôr uma pomada."

Ele olhou para ela, confuso, magoado.

"Porque é que estavas a queimar as nossas fotos?"

Sofia sorriu, um sorriso enigmático.

"Estava só a fazer uma limpeza, meu amor. Demasiadas coisas velhas. Precisamos de espaço para as memórias novas, não achas? Com o bebé a chegar..."

Ele pareceu engolir a desculpa. A menção ao bebé sempre o desarmava.

"Sim, claro. Tens razão."

Mas a inquietação permaneceu nos olhos dele.

Mais tarde, enquanto Sofia arrumava uma pequena mala para a "viagem" , o telemóvel de Ricardo, esquecido na mesa de cabeceira, apitou.

Sofia não resistiu. Espreitou.

Uma mensagem de Beatriz. Uma foto. Ela, na cama, um lençol a cobri-la estrategicamente. A legenda: "Ainda sinto o teu cheiro em mim. Volta rápido."

E uma mensagem de Ricardo para ela, enviada minutos antes: "Estou a caminho, meu anjo. Tive um imprevisto com a Sofia, mas já resolvi."

Sofia sentiu o último resquício de dúvida evaporar-se.

A decisão estava tomada. A vingança seria parte da sua libertação.

Ela lembrou-se da festa de aniversário dos gémeos, algumas semanas antes.

Beatriz tinha enviado uma mensagem anónima a Sofia, com o local e a hora. "Vem ver o espetáculo, querida."

Sofia fora, escondida. Um hotel de luxo.

Os pais de Ricardo estavam lá. Amigos da alta sociedade. Todos tratavam Beatriz como a "Dona Oliveira" .

Os pais dele elogiavam Beatriz abertamente. "Uma mãe maravilhosa, uma companheira à altura do nosso Ricardo."

Ricardo, sorridente, afirmava: "A Beatriz tem tudo o que a Sofia tem. Em duplicado. Não quero que falte nada a nenhuma das minhas famílias."

Sofia ouviu Ricardo a conversar com a sua prima Diana, a única que parecia desaprovar a situação.

"Eu amo a Sofia, Diana. Mas não posso abandonar a Beatriz e os meus filhos. A Sofia nunca vai descobrir. Ela é ingénua, confia em mim."

Diana alertou-o: "Cuidado, Ricardo. O tio Tiago está de volta ao Brasil. E ele não aprova estas coisas. Ele é um homem muito correto."

Ricardo desdenhou. "O tio Tiago não se mete na minha vida."

            
            

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