No corredor do hospital, Rui surgiu. "Já que estamos todos aqui, porque não vamos almoçar juntos?" propôs, o tom casual a esconder a sua satisfação por ter Beatriz ao seu lado.
Antes que Afonso pudesse recusar, Beatriz respondeu por ambos. "Claro, Rui. Parece-me bem."
Ela nem sequer olhou para Afonso, assumindo o seu consentimento.
Foram a um restaurante próximo, um dos favoritos de Rui. Afonso percebeu que Beatriz tinha escolhido todos os pratos que Rui adorava. Para ele, nada.
Não se surpreendeu. Comeu em silêncio, resignado ao seu papel de espectador.
A meio da refeição, o telemóvel de Beatriz tocou. Ela levantou-se para atender, afastando-se da mesa.
Afonso notou então um pequeno objeto na mão de Rui. Uma moca de chaves, com um pendente de prata em forma de compasso.
"Bonito pendente," comentou Afonso, a curiosidade a picá-lo.
Rui sorriu, orgulhoso. "Foi a Bia que me deu. Diz que me dá sorte nos projetos."
Afonso sentiu o sangue gelar. Aquele compasso. Ele reconhecia-o. Tinha sido um presente seu para Beatriz, no primeiro aniversário do "acordo" deles. Dentro, uma pequena gravação: "A.A. para B.M. Para sempre." Uma declaração do seu afeto, da sua esperança. E ela tinha-o dado a Rui.
Uma onda de fúria subiu-lhe pela garganta, ameaçando explodir. Lembrou-se da narrativa, do seu destino se cedesse à raiva. Respirou fundo, forçando a calma.
"É realmente muito bonito," disse Afonso, a voz surpreendentemente estável. "Combina contigo."
Rui pareceu surpreendido pela sua calma. Esperava uma explosão, ciúmes. Decidiu provocar.
"Ups!" exclamou Rui, "acidentalmente" entornando o seu copo de vinho tinto sobre si mesmo, mas de forma a parecer que Afonso o tinha empurrado. "Afonso, tem mais cuidado!"
Beatriz voltou nesse preciso momento, atraída pelo barulho. Viu Rui com a camisa manchada, Afonso com uma expressão tensa.
"Afonso! O que é que fizeste?" gritou ela, correndo para Rui, limpando-lhe a camisa com um guardanapo. Ignorou completamente as tentativas de Afonso de se explicar.
"Tu és irracional!" acusou Beatriz, os olhos a faiscarem de raiva. "Vamos embora, Rui."
Agarrou no braço de Rui e saiu do restaurante, deixando Afonso sozinho, devastado pela injustiça e pela rapidez com que ela o condenara.
Nos dias que se seguiram, o padrão repetiu-se. Rui, subtilmente, criava situações que faziam Afonso parecer o agressor. Uma insinuação de sabotagem no trabalho de Rui, um comentário "acidentalmente" ouvido que pintava Afonso como possessivo e controlador.
Beatriz, condicionada pela narrativa e pela sua mágoa acumulada, acreditava em Rui. Confrontava Afonso repetidamente.
"Porque é que estás a fazer isto, Afonso?" perguntava ela, a voz carregada de raiva e desilusão. "Já não te basta o que me fizeste passar? O dinheiro que me deste não te dá o direito de controlar a minha vida e prejudicar os meus amigos!"
Afonso sentia-se ferido pela sua falta de confiança, pela facilidade com que ela o julgava. Mas, mais do que a dor, sentia medo. Medo de que, na sua raiva, ela fizesse algo que o prejudicasse antes que ele conseguisse executar o seu plano de "morte". O tempo estava a esgotar-se.
Precisava de uma solução, e rápido. Decidiu que teria de fazer um pacto com o seu rival. Era a única forma de garantir a sua própria sobrevivência, de escapar à trama.