Afonso marcou um encontro com Rui num café discreto.
Rui chegou, a desconfiança estampada no rosto.
"O que é que queres, Alencar?"
Afonso foi direto ao assunto. "Quero propor uma trégua. Mais do que isso, quero ajudar-te a ficar com a Beatriz."
Rui riu, incrédulo. "Tu? Ajudar-me? Depois de tudo o que fizeste para nos separar? Deves estar a brincar." Ele sabia do profundo, quase obsessivo, afeto de Afonso por Beatriz.
"Não estou a brincar," Afonso assegurou, a voz séria. "Eu vou-me embora em breve. Vou desaparecer da vida dela, da vossa vida. Não serei mais uma ameaça."
"Porque é que havias de fazer isso?" Rui continuava cético.
"Não importa o porquê. O que importa é que estou a ser sincero."
Rui abanou a cabeça, não convencido. Afonso percebeu que precisava de ações, não apenas palavras.
No dia seguinte, Afonso abordou Beatriz.
"Tenho bilhetes para o concerto de Fado de que tanto gostas, esta noite," disse ele. "Quero que venhas comigo. Lembras-te do nosso acordo? Ainda me deves algumas saídas."
Beatriz suspirou, irritada, mas o acordo era o acordo. Ela tinha de cumprir.
"Está bem," cedeu, relutante.
Assim que ela saiu, Afonso ligou a Rui.
"Tenho um bilhete extra para o concerto de Fado desta noite. A Beatriz vai. Dei-lhe o outro. É a tua oportunidade. Vai, encontra-a lá. Diz que foi uma coincidência."
Do outro lado da linha, Rui estava espantado. "Porque é que estás a fazer isto?"
"Apenas aproveita," Afonso respondeu, evasivo, e desligou.
Ajudar Rui era, na verdade, ajudar-se a si mesmo. Estava a acelerar o desenrolar da trama, a empurrar Beatriz para os braços do "herói", para que ele, o "vilão", pudesse finalmente sair de cena.
Mais tarde nessa noite, o telemóvel de Afonso vibrou. Era uma mensagem de Rui. Uma fotografia.
Na imagem, Beatriz olhava para Rui com uma ternura, um brilho nos olhos que Afonso nunca tinha visto dirigido a si. Estavam num bar, depois do concerto, as cabeças próximas, a cumplicidade evidente.
Afonso lembrou-se de todas as vezes que tentara tirar uma fotografia com Beatriz, e ela recusara. Lembrou-se da ausência de gestos de carinho espontâneos, do toque sempre calculado. A imagem era uma faca no seu peito, confirmando a dolorosa verdade.
Respirou fundo, engolindo a dor. Pegou no telemóvel e escreveu uma mensagem para Rui.
"Fazem um bom par."
Enviou. Era uma bênção, uma despedida, uma rendição.