Procurei o contacto da professora Helena Silva, a minha antiga professora de Artes Visuais, a única que verdadeiramente viu o meu talento.
"Professora Helena? É a Sofia Almeida."
A voz dela soou calorosa do outro lado.
"Sofia! Que surpresa boa! A ligar para celebrar as notas, imagino?"
"Sim, professora. Mas também para lhe pedir um favor enorme. Uma mudança de última hora."
Expliquei-lhe. Design de Moda. Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. FBAUL.
Houve um silêncio.
"Lisboa? Design de Moda?" A surpresa dela era palpável. "Com a tua média, Sofia? Pensei que irias para algo mais... académico."
"É o meu sonho, professora. Sempre foi. Só agora tive coragem."
Uma mentira. A coragem vinha do desespero, da necessidade de fugir.
Ela acabou por ceder, prometendo ajudar com a alteração da candidatura. Desliguei, o alívio a misturar-se com uma frieza nova que se instalava em mim.
Ao descer as escadas, ouvi vozes animadas na sala.
Tiago Ferraz. Miguel Santos. Beatriz Costa.
Lá estavam eles, a prepararem uma "festa surpresa" para celebrar as "nossas" notas.
Os meus amigos de infância. Os meus futuros maridos. Os homens que se sacrificariam por ela.
Beatriz, a minha "melhor amiga". A víbora.
"Sofia!" Beatriz correu a abraçar-me, o sorriso falso a brilhar. "Parabéns! Sabíamos que ias arrasar!"
Tiago e Miguel sorriam, os olhos brilhantes. Por mim? Ou pela perspetiva de Coimbra, mais perto dela?
O meu telemóvel tocou novamente. Professora Helena.
"Sofia, querida, tenho más notícias." A voz dela estava carregada de consternação. "Ligas-me da escola. A tua nomeação para o discurso de honra na cerimónia de finalistas... foi alterada."
Senti um arrepio. Já sabia.
"Alterada para quem, professora?"
"Para a Beatriz Costa. Parece que houve uma... 'sugestão' de dois benfeitores importantes da escola."
Os pais de Tiago e Miguel. Claro. As suas influências já começavam a mover os cordelinhos.
"Compreendo, professora. Não se preocupe."
"Mas Sofia, é uma injustiça! Tu merecias!"
"Está tudo bem." A minha calma pareceu perturbá-la. "Obrigada por me avisar."
Desliguei.
Olhei para os três. Beatriz exibia um triunfo mal disfarçado. Tiago e Miguel pareciam satisfeitos.
Na minha vida passada, chorei. Implorei. Senti-me traída.
Agora, sentia apenas um vazio gelado e uma determinação férrea.
A festa deles era uma farsa. A amizade deles, veneno.
Lembrei-me do funeral de Miguel. Beatriz, vestida de luto, mas com os olhos a brilhar de uma satisfação cruel.
"Sabes, Sofia," ela sibilara, enquanto eu chorava sobre o caixão dele, "eles nunca te amaram. O Tiago fez uma vasectomia antes de casar contigo. O Miguel também. Não queriam filhos de uma mulher que não fosse eu."
O acidente de Tiago, a protegê-la. O coração de Miguel, doado a ela.
"Eu orquestrei tudo," confessara, a voz baixa, apenas para mim. "A tua posição social, a tua inteligência... sempre tive inveja. Eles eram meus, Sofia. Sempre foram."
Morri ali, de desgosto e raiva.
Mas renasci.
E desta vez, o jogo seria meu.
"Obrigada pela festa," disse eu, a voz neutra. "Mas estou um pouco cansada. Acho que vou subir."
Eles entreolharam-se, surpreendidos pela minha falta de entusiasmo.
Ignorei-os.
No meu quarto, fechei a porta.
Coimbra estava fora de questão. Lisboa seria o meu refúgio.
O meu sonho de ser estilista não seria mais adiado.
Eles os três? Seriam apenas uma memória amarga, uma lição aprendida da forma mais dura.
A minha nova vida começava agora. Longe deles. Em paz.