Acordei com o som de água a bater e gritos abafados.
A cabeça latejava. Estava escuro. Frio.
Percebi que estava na água, a ser arrastada. Perto de mim, Beatriz debatia-se, gritando por socorro.
A festa era numa casa com piscina. Tínhamos caído.
O pânico da vida passada voltou com força total. O afogamento. A traição.
"Socorro!" gritei, a voz rouca.
Vi Tiago e Miguel a correrem na nossa direção. Um brilho de esperança.
Mas, mais uma vez, os olhos deles fixaram-se em Beatriz.
"Bia!" gritaram em uníssono, atirando-se à água.
Ninguém olhou para mim. Ninguém veio na minha direção.
Lutei contra a corrente da piscina, a cabeça a doer, o corpo exausto.
Consegui agarrar-me à borda, a tossir, a tremer.
Quando finalmente me tiraram da água, estava quase inconsciente.
Acordei num quarto de hospital. Tiago e Miguel estavam ao lado da minha cama, os rostos pálidos.
"Sofia, estás bem?" perguntou Tiago, a voz cheia de uma falsa preocupação.
"Desculpa," disse Miguel. "A Beatriz entrou em pânico. Pensámos que ela estava pior."
Mentiras. Sempre mentiras.
"Onde está ela?" perguntei, a voz fraca.
"No quarto ao lado," respondeu Tiago. "Fomos vê-la. Ela está muito abalada."
Claro que está. A vítima perfeita.
O telemóvel de Tiago tocou. Era Beatriz.
"Temos de ir," disse ele, levantando-se. "Ela precisa de nós."
Abandonaram-me. De novo.
Sozinha no quarto de hospital, senti uma raiva fria a crescer dentro de mim.
Mais tarde, recebi uma mensagem de Beatriz.
"Sofia, querida, espero que estejas melhor. Fiquei tão assustada! Ainda bem que o Tiago e o Miguel me salvaram. Beijinhos."
A provocação era óbvia.
Ignorei.
Passei as semanas seguintes a suportar a presença deles. Sabia que a separação estava próxima. As cartas de aceitação das universidades não tardariam a chegar.
Eu ia para Lisboa. Eles, para Coimbra, a perseguir Beatriz.
Finalmente, o envelope chegou.
Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Aceite.
Um sorriso genuíno, o primeiro em muito tempo, iluminou o meu rosto.
Beatriz também recebeu a sua carta nesse dia. Coimbra, claro.
Despediu-se de mim com um abraço falso.
"Vou ter tantas saudades tuas, Sofia!"
Tiago e Miguel observavam, os olhos fixos nela.
Quando Beatriz se afastou, Tiago reparou no envelope na minha mão.
"Então, Coimbra também?" perguntou ele, tentando parecer casual.
Escondi rapidamente o envelope.
"Ainda não sei. Talvez precise de um ano sabático."
A desconfiança brilhou nos olhos deles.