A memória daquele dia na praia, da forma como me ignoraram, ainda me assombrava.
Não pela água fria ou pelo susto, mas pela confirmação crua das suas prioridades.
Eles prometeram afastar-se de Beatriz, depois daquele episódio.
"Sofia, percebemos que temos sido negligentes contigo," disse Tiago, com uma sinceridade estudada. "A Beatriz... ela consegue ser muito exigente."
Miguel acrescentou: "Vamos concentrar-nos em ti agora. És a nossa melhor amiga."
Queriam reconquistar-me. Para quê? Para continuarem a ter acesso ao meu círculo social, à minha aparente influência, que Beatriz tanto cobiçava através deles?
Na festa de aniversário de um colega, algumas semanas depois, fizeram questão de o demonstrar.
Colaram-se a mim a noite toda. Ignoraram Beatriz ostensivamente, que os observava com um olhar furioso do outro lado da sala.
Trouxeram-me bebidas. Elogiaram a minha roupa. Riram das minhas piadas.
Por um momento, quase me deixei levar pela farsa. Quase.
Mas depois, precisei de ir à casa de banho.
Ao passar por um corredor mais isolado, ouvi as vozes deles.
"Aguenta firme, Tiago," dizia Miguel, a voz baixa. "Mais um pouco e a Sofia volta a confiar em nós. Depois, podemos explicar tudo à Bia."
"Não sei, Miguel. A Bia está furiosa. Ela disse que se não a 'conquistarmos' de volta através da Sofia, ela desaparece."
O meu sangue gelou.
"Temos de o fazer," continuou Miguel. "Sabes o quanto a amamos. A Sofia é só... um meio para um fim. Um mal necessário."
Um meio para um fim. Um mal necessário.
As palavras ecoaram na minha cabeça, dolorosas e cruéis.
Voltei para a festa, o rosto uma máscara de indiferença.
Eles vieram ter comigo, sorrisos falsos nos rostos.
"Então, Sofia," disse Tiago, "estávamos a pensar... Coimbra vai ser incrível, não achas? Os três juntos, como nos velhos tempos."
Miguel acrescentou: "Ou talvez devêssemos todos candidatar-nos a Lisboa? O que achas?"
Eles esperavam uma resposta, uma decisão. Uma forma de eu os incluir nos meus planos.
Sorri, um sorriso que não chegou aos meus olhos.
"Ainda não decidi."
Adiei a revelação. Queria ver até onde a crueldade deles iria.
Beatriz aproximou-se, o ciúme a brilhar nos seus olhos.
"Sofia, querida, estás a monopolizar os rapazes," disse ela, a voz falsamente doce.
Antes que eu pudesse responder, ela "tropeçou" novamente, desta vez contra mim, empurrando-me com força.
Não estava à espera. Caí, bati com a cabeça no rebordo de um vaso de plantas.
A última coisa que vi foi o sorriso triunfante de Beatriz antes de a escuridão me engolir.