"Um ano sabático?" Miguel franziu o sobrolho. "Mas tu adoras estudar, Sofia."
"As pessoas mudam," respondi evasivamente, dando de ombros.
Eles entreolharam-se. A minha mudança de atitude, a minha frieza, estava a deixá-los desconfortáveis.
"Bem, se precisares de alguma coisa..." começou Tiago.
"Não preciso," cortei, a voz firme.
O telemóvel de Tiago tocou. Beatriz, sem dúvida.
"Temos de ir ter com a Bia," disse ele, aliviado por ter uma desculpa para fugir daquela conversa tensa. "Ela está a precisar de apoio para fazer as malas para Coimbra."
"Claro," respondi, um sorriso irónico a bailar nos meus lábios. "Apoiem-na."
Observei-os a afastarem-se apressadamente, como cães a correr atrás da dona.
Patéticos.
Alguns dias depois, voltaram a aparecer à minha porta.
"Sofia," disse Miguel, com um ar falsamente jovial, "vamos sair esta noite. Cais do Sodré. Para celebrar os velhos tempos antes de irmos para a faculdade."
Recusei.
"Não me apetece."
"Anda lá, Sofia," insistiu Tiago. "Vai ser divertido."
Acabei por ceder, mais por cansaço do que por vontade. Sabia que seria a última vez.
Fomos a um bar que eles escolheram. Barulhento. Cheio de gente.
Tiago e Miguel não me largaram um instante.
Comportavam-se de forma possessiva, quase sufocante.
Se algum rapaz se aproximava para falar comigo, eles intervinham imediatamente, afastando-o com desculpas esfarrapadas.
"Ela está connosco."
"Não está interessada."
A irritação crescia dentro de mim.
De repente, vi Beatriz.
Estava a trabalhar como empregada de mesa num bar mais pequeno, do outro lado da rua.
Um homem visivelmente embriagado estava a importuná-la, a tentar agarrá-la.
Beatriz parecia assustada, vulnerável.
Tiago e Miguel viram-na no mesmo instante que eu.
Sem uma palavra, sem um olhar na minha direção, atravessaram a rua a correr.
Deixaram-me sozinha no meio da multidão.
Observei-os a confrontarem o homem.
A discussão rapidamente evoluiu para violência.
Tiago e Miguel, os meus "protetores", espancaram o homem com uma fúria selvagem.
Beatriz observava, as mãos a cobrir a boca, os olhos arregalados. Mas havia um brilho estranho neles. Um brilho de satisfação.
Aquela cena era a epítome da minha vida passada com eles.
Eu, sempre em segundo plano. Beatriz, sempre o centro das atenções, a causa de todos os dramas.
Eles, sempre dispostos a lutar, a sacrificar-se... por ela.