Quando Tiago e Beatriz desapareceram no elevador, Sofia finalmente cedeu. As lágrimas correram-lhe pelo rosto, silenciosas e amargas.
Apesar da dor e da tontura, limpou o café derramado e os cacos da chávena. A sua dignidade, essa, parecia mais difícil de remendar.
Alguns colegas aproximaram-se, oferecendo lenços e palavras de simpatia.
"A Beatriz é terrível," sussurrou uma colega. "E o Tiago parece cego."
Sofia agradeceu com um aceno de cabeça.
Lembrou-se de uma vez, há muito tempo, quando um fornecedor tinha sido rude com ela. Tiago, ao ouvir, tinha defendido Sofia com uma ferocidade que a surpreendera. Onde estava esse Tiago agora?
Percebeu, com uma clareza dolorosa, que a falta de confiança dele nela, a sua incapacidade de a defender, era apenas um reflexo da sua total falta de afeto. Para ele, ela não significava nada.
O telefone da secretária tocou. Era Tiago.
"Sofia, a Beatriz precisa de uns lenços de seda que estão na gaveta da mesinha de cabeceira dela, e também do carregador do telemóvel. Pode trazê-los aqui a casa?"
A voz dele era impessoal, como se estivesse a dar uma ordem a uma empregada. Nenhuma pergunta sobre o seu ferimento.
Sofia respirou fundo. "Sim, Sr. Monteiro."
Foi à casa dele, a casa que um dia também fora o seu refúgio secreto.
Estava diferente. Completamente redecorada ao gosto de Beatriz. Cores claras, flores frescas por todo o lado, um ambiente que gritava "luxo e sofisticação". Não havia um único vestígio da sua presença ali. Era como se ela nunca tivesse existido.
Tiago apareceu, vindo do quarto. Viu a ligadura na testa dela.
"Ainda está assim? A Beatriz às vezes exalta-se quando está desconfortável. Não leve a mal."
Ele tirou a carteira.
"Tome. Para compensar o estrago. E pode tirar o resto do dia de folga."
Sofia sentiu a humilhação a subir-lhe pelo corpo.
"Sr. Monteiro, eu queria falar sobre o meu pedido de demis..."
"Agora não, Sofia," interrompeu-a Tiago. "Tenho outra coisa para si. A Beatriz quer dar uma festa de boas-vindas para ela, aqui na quinta do Douro. Preciso que organize tudo. Não se preocupe com os custos."
Ele estendeu-lhe um cartão de crédito da empresa.
Sofia aceitou, a resignação a tomar conta dela.
Saiu da casa, deixando Tiago para trás.
Ao fechar a porta, ouviu-o falar com Beatriz ao telefone, a voz cheia de uma ternura que ela nunca conhecera.
"Sim, meu amor, já pedi à Sofia para tratar de tudo. Vai ser a festa que você merece."
Sofia comparou o tratamento que ele dispensava a Beatriz com o que ela recebera em situações semelhantes. Quando ela ficava doente, ele mal perguntava se precisava de alguma coisa. Se ela se magoava, ele minimizava.
A conclusão era inevitável e dolorosa: a indiferença dele para com ela sempre fora devida à falta de amor. Ele nunca a amara. Nunca.
Procurou um pequeno centro de saúde para tratar do ferimento na testa. Levara alguns pontos.
Recuperou o suficiente para se dedicar de corpo e alma à organização da festa de Beatriz. Queria que fosse o seu último ato profissional, impecável.
A festa realizou-se numa quinta deslumbrante no Douro, propriedade da família Monteiro. O luxo era palpável em cada detalhe.
Beatriz fez uma entrada triunfal, num vestido caro que arrastava pelo chão, atraindo todos os olhares.
Os convidados elogiavam-na, a beleza, a elegância. Comentavam a devoção de Tiago, relembrando histórias de como ele sempre fora apaixonado por ela, desde a adolescência.