Com a minha ajuda, ele venceu todos os rivais, consolidando seu poder.
Finalmente, eu disse sim.
Depois do casamento, Inácio era a personificação do homem apaixonado.
Ele me carregava pela casa, me cobria de beijos e presentes, e não passava uma noite longe de mim.
Eu me sentia a mulher mais feliz do mundo.
Até que, um dia, tudo mudou.
Ele chegou em casa com o rosto sério.
"Liana, preciso que entenda. Minha mãe... ela está me pressionando."
Senti um calafrio.
"Pressionando sobre o quê?"
"Sílvia. A noiva do meu primo que morreu. Minha mãe diz que é meu dever cuidar dela, honrar a promessa da nossa família."
Eu não gostei do tom dele, mas tentei ser compreensiva.
"Cuidar dela como, Inácio?"
"Ela vai ficar na casa de hóspedes. É só por um tempo."
Naquela noite, ele não dormiu comigo.
Na noite seguinte, também não.
Uma semana se passou, e a cama ao meu lado continuava fria. Grávida de quatro meses, a minha ansiedade crescia.
Uma noite, não aguentei. Fui até a casa de hóspedes.
A luz estava acesa.
Pela janela, vi a cena que quebrou meu coração.
Inácio e Sílvia, juntos na cama.
Não era cuidado. Era traição.
Fiquei paralisada, o som dos meus soluços abafado pela minha própria mão na boca.
De repente, ouvi um barulho alto, um estalo de madeira quebrando, seguido de risadas.
A cama deles tinha quebrado.
A imagem era tão suja, tão humilhante, que senti o meu estômago revirar.
Voltei para a casa principal, tropeçando no escuro.
Naquela mesma noite, uma chuva forte desabou sobre o sertão.
Eu estava com sete meses de gravidez. Uma dor aguda me atingiu.
Gritei por ajuda, mas a casa estava vazia. Os empregados tinham sido dispensados mais cedo por Dona Matilde.
Inácio estava com Sílvia.
Tentei me levantar para buscar água, mas o chão estava molhado. Escorreguei e caí.
A dor se intensificou. O parto estava começando, muito antes da hora.
Sílvia apareceu na porta, com um olhar que não era de preocupação.
"Precisa de ajuda, Liana?"
Ela chamou a parteira, uma mulher que eu nunca tinha visto antes.
O parto foi um pesadelo.
Quando finalmente acabou, o silêncio no quarto era mortal.
A parteira, com o rosto impassível, anunciou:
"Nasceu morto. Fraqueza da mãe."
Meu mundo desabou.
Inácio chegou muito depois. Ele não olhou para mim. Não olhou para o pequeno corpo enrolado em panos.
Ele foi direto para Sílvia, que choramingava no canto.
"O que foi, meu bem?"
"Eu me arranhei na porta, tentando chamar a parteira mais rápido," ela disse, mostrando um arranhão minúsculo na mão.
Ele beijou a mão dela, preocupado.
Meu filho estava morto, e ele se preocupava com um arranhão.
Desmaiei.
Quando acordei, dias depois, o quarto estava silencioso.
Ouvi vozes do lado de fora. Inácio e Sílvia.
"Não se preocupe, meu amor," ele dizia a ela. "Nós teremos os nossos próprios filhos. Muitos filhos."
Aquelas palavras foram como facas no meu peito.
Dias depois, Sílvia começou a passar mal, vomitando e tremendo.
O médico da família, chamado às pressas, diagnosticou envenenamento.
Por uma erva rara, uma que só eu conhecia e usava.
"Foi ela!" gritou Dona Matilde, apontando para mim. "Essa sertaneja invejosa tentou matar a Sílvia!"
Inácio me olhou, o rosto uma máscara de decepção.
"Liana, como pôde?"
"Eu não fiz isso," eu disse, a voz fraca.
"Para te salvar da prisão," ele disse, me apresentando um papel, "assine isso. É uma confissão de que usou a erva por engano. Eu direi que foi um acidente."
Eu estava tão quebrada, tão confusa, que acreditei.
Assinei o papel sem ler.
No dia seguinte, um oficial de justiça apareceu. O documento não era uma confissão.
Era um termo de transferência, passando a pequena e única terra da minha família para o nome de Inácio.
Ele tinha me roubado tudo.
Naquela noite, ele veio ao meu quarto. Trazia uma garrafa escura na mão.
"Liana, eu não quero que você sofra a dor de outra perda. Isso é para o seu bem."
Ele me segurou com força, enquanto dois jagunços me forçavam a beber o líquido amargo.
"Isso vai te impedir de engravidar de novo. Para te poupar da dor."
Eu sabia que era mentira. Ele queria garantir que apenas Sílvia, a mulher que ele agora amava, pudesse lhe dar um herdeiro.
Eu lutei, mas era fraca demais.
O líquido queimou minha garganta e desceu como fogo para o meu ventre.
A dor me fez desmaiar novamente.
Lembro-me de pensar, antes de perder a consciência, que o amor que eu sentia por ele tinha se transformado em um ódio profundo e gelado.
Um mês depois, houve uma grande festa na capital, na mansão do Governador.
Inácio, agora ainda mais poderoso com as minhas terras, foi convidado.
Ele me levou, e levou Sílvia.
"Você é minha esposa," ele disse. "Tem que manter as aparências."
Na festa, Sílvia me ofereceu uma taça de vinho.
"Beba, Liana. Para esquecer as tristezas."
Eu bebi. Foi o meu último erro.
A minha cabeça ficou pesada, o mundo começou a girar.
A última coisa que lembro foi de ser arrastada para um quarto.
Acordei com gritos.
Sílvia estava na porta, apontando para mim.
Eu estava na cama, seminua. Ao meu lado, um empregado da casa, também desorientado.
"Adultério! Ela desonrou o nome da nossa família!" gritava Sílvia.
Inácio apareceu, o rosto vermelho de fúria.
Ele não me perguntou nada. Não me deu chance de falar.
Ele me arrastou para fora, na frente de todos os convidados.
"Esta mulher é uma adúltera! Ela não é mais minha esposa!"
Para "salvar a honra da família" , ele me trancou no celeiro da fazenda.
Naquela noite, o celeiro pegou fogo.
As chamas subiam altas, lambendo a madeira seca.
O calor era insuportável. A fumaça enchia meus pulmões.
Eu ia morrer.
Desesperada, agarrei meu bornal de couro.
"Me salve," eu sussurrei. "Custe o que custar."
Senti uma onda de energia gelada percorrer meu corpo, sugando minha força vital.
O bornal brilhou. Uma chuva fina e gelada começou a cair dentro do celeiro, apagando as chamas ao meu redor, criando um pequeno círculo de segurança.
Mas o fogo era forte demais. Uma viga em chamas caiu sobre mim.
Senti a dor aguda no meu rosto e nos meus braços antes de tudo ficar escuro.
Fui dada como morta.
Mas eu sobrevivi.
Com o rosto e os braços marcados por cicatrizes horríveis, fugi para o sul.
Eu não era mais Liana, a esposa do Coronel.
Eu era apenas uma sombra, um fantasma em busca de um lugar para desaparecer.
Cheguei a uma pequena cidade devastada por uma epidemia de febre amarela.
As pessoas morriam nas ruas.
Meu instinto de curandeira falou mais alto.
Abri meu bornal. A cada erva que eu tirava, sentia a vida se esvaindo de mim, mas eu não parei.
Comecei a tratar os doentes, um por um.
Foi lá que o reencontrei.
Dom Pedro. O viajante misterioso que uma vez passou pelas terras de Inácio, um homem culto e gentil do Rio de Janeiro.
Ele também estava ajudando, usando seus próprios recursos para comprar remédios e comida.
Trabalhamos lado a lado.
Ele nunca perguntou sobre as minhas cicatrizes. Ele olhava para mim, e eu via admiração nos seus olhos, não pena ou repulsa.
Ele se apaixonou pela minha força, pela minha bondade.
Enquanto isso, no sertão, os rumores de uma "santa curandeira" com o rosto marcado chegaram aos ouvidos de Inácio.
Ele ficou obcecado.
"É ela. É a Liana."
Ele abandonou tudo. A fazenda, os negócios, Sílvia.
E veio me caçar.
Quando me encontrou, ao lado de Pedro, a sua sanidade, que já era pouca, se desfez completamente.
Ele tentou me levar à força.
"Você é minha! Sempre será!"
Na sua loucura, para provar seu poder e me impressionar, ele declarou guerra a um fazendeiro vizinho, um homem muito mais poderoso.
Mas sem as minhas ervas, sem a minha ajuda, ele era incompetente.
Pedro, que eu descobri ser um nobre com grande influência política, agiu nas sombras. Ele protegeu a região, isolando Inácio.
A derrota de Inácio foi rápida e humilhante.
Ele perdeu tudo. Suas terras foram confiscadas pelo governo como pagamento de dívidas. Seu poder virou pó.
Sílvia, vendo que não havia mais nada para roubar, fugiu com o pouco de riqueza que restava.
Inácio ficou sozinho, vagando pelas terras que um dia foram suas.
Atormentado pela culpa, pela perda, pela minha imagem que o assombrava.
Numa manhã fria, ele foi encontrado perto do rio.
Tinha tirado a própria vida.
Eu estava finalmente livre.
Pedro me pediu em casamento.
"Deixe-me curar as suas feridas, Liana."
Eu aceitei.
Ele me levou para sua casa, um palacete no Rio de Janeiro.
Sua família, nobre e rica, me acolheu. Sua mãe, uma mulher de coração bom, me tratou como uma filha.
Com os cuidados de Pedro e os meus próprios conhecimentos, a minha saúde se recuperou. As cicatrizes no meu corpo e na minha alma começaram a desaparecer.
Anos mais tarde, contra todas as previsões dos médicos e das minhas próprias crenças, eu engravidei.
Tivemos filhos.
Uma vida feliz e pacífica.
O verdadeiro amor, descobri, pode curar todas as feridas.