Desesperada, Sofia mexia nas coisas antigas de seu avô.
Encontrou um rádio amador empoeirado.
Ligou-o, sem muita esperança, girando o sintonizador.
De repente, uma voz familiar, mas mais jovem, soou.
"Alô? Tem alguém aí?"
Era Ricardo, mas com dezenove anos.
Sofia hesitou, depois falou, a voz embargada.
"Ricardo? Sou eu, Sofia. Do futuro."
Ela explicou a situação, o casamento infeliz, a traição, a recusa do divórcio.
Pediu que ele, no passado, assinasse um acordo de divórcio e o escondesse para ela encontrar.
O jovem Ricardo ficou em silêncio por um longo momento.
"Isso... isso não pode ser verdade. Eu nunca faria isso com você, Sofia. Se eu me tornasse esse homem, preferia desaparecer."
Ele prometeu ajudar.
Naquela noite, Ricardo, o de 32 anos, chegou em casa furioso.
Ele jogou uma pasta com papéis de divórcio na mesa.
"Que palhaçada é essa, Sofia? Pedindo o divórcio?"
Ele minimizou o caso com Letícia.
"Foi só uma vez, um erro. E você arma esse escândalo todo por causa de um colar?"
Sofia olhou para ele, a dor afiada em seu peito.
"Um colar, Ricardo? Você dorme com a minha irmã e chama isso de 'um colar'?"
Ela apontou para o pescoço dele, onde uma marca de batom sutil, da cor que Letícia sempre usava, era visível.
"E isso? Também é só um colar?"
Ricardo ficou vermelho, mas rapidamente se recompôs.
"Não sei do que você está falando. E pare de inventar coisas."
Ele desviou o assunto.
"Amanhã temos o jantar na casa dos seus pais. É melhor você se comportar."
O telefone de Sofia tocou. Era sua mãe, Dona Irene.
"Sofia, seu pai e eu precisamos falar com você. É urgente."
A voz dela era fria.
"Esteja aqui amanhã para o jantar. E venha sozinha."
Sofia sentiu um arrepio.
No dia seguinte, na casa dos pais, a tensão era palpável.
Seu Valdir, o pai, foi direto ao ponto.
"Sofia, sua mãe e eu conversamos. Achamos melhor você se divorciar do Ricardo."
Sofia ficou chocada. Divorciar-se era o que ela queria, mas vindo deles?
Dona Irene continuou, a voz cortante.
"Depois daquele acidente de carro, você ficou com essa cicatriz no rosto. Você não é mais... adequada para ser esposa do Ricardo."
A cicatriz era uma linha fina em sua bochecha, resultado de um acidente onde ela salvara Ricardo.
"Letícia, por outro lado," Seu Valdir pigarreou, "ela precisa de bem-estar emocional. A anemia falciforme dela é delicada."
Sofia sentiu o sangue gelar.
Eles queriam que ela cedesse Ricardo para Letícia.
"Então é isso? Querem que eu me afaste para Letícia ficar com ele?"
"É o melhor para todos," Dona Irene disse, sem emoção.
"E, Sofia, você sabe, Letícia precisa de cuidados. Se ela precisar de uma transfusão, você é compatível. É sua obrigação como irmã."
Sofia levantou-se, a raiva e a dor lutando dentro dela.
"Eu cedo o Ricardo. Podem ficar com ele."
Sua voz era baixa, mas firme.
"Mas a partir de hoje, vocês não são mais minha família."
Ela se virou para sair.
Letícia entrou na sala nesse momento, um sorriso dissimulado nos lábios.
Ela usava o colar que Ricardo lhe dera.
"Sofia, não diga isso! Mamãe, papai, ela está chateada. Ricardo é um bom homem."
Ela se aproximou de Ricardo, que acabara de chegar, e segurou seu braço.
Dona Irene olhou para a cicatriz de Sofia com desprezo.
"Com essa cara, quem vai te querer?"
Seu Valdir deu um tapa no braço de Sofia.
"Seja compreensiva!"
Ricardo interveio, mas sua preocupação era superficial.
"Não falem assim. Sofia salvou minha vida naquele acidente."
Ele rapidamente mudou de assunto.
"Vamos jantar. Estou faminto."
Durante o jantar, Ricardo e Letícia agiam como um casal.
Eles riam, trocavam olhares, e Ricardo até colocou comida no prato de Letícia.
Sofia sentou-se em silêncio, isolada, a comida intocada em seu prato.
Seus pais a ignoravam, focados em Letícia e Ricardo.
Mais tarde, em casa, Ricardo chegou bêbado.
Ele cambaleou até Sofia, o rosto contorcido de desprezo.
"Você acha que eu te amo? Eu só te sustento por pena!"
Ele apontou para o rosto dela.
"Olha para você! Essa cicatriz... quem te quereria?"
As palavras eram como facas.