Ele olhou para Sofia, e um brilho de surpresa passou por seus olhos ao ver o rosto dela sem a cicatriz.
Mas rapidamente foi substituído pelo mesmo desdém.
"O que você está olhando? Acha que sem a cicatriz você é alguma coisa?"
Ele a empurrou.
"Você é desesperada por atenção, não é? Sempre se jogando em cima de mim."
Sofia recuou, a dor da noite anterior ainda fresca.
A ausência da cicatriz não mudara nada.
O desprezo dele não era pela marca em seu rosto.
Era por ela, por quem ela era.
Uma tristeza profunda a invadiu.
Ela ouviu um som vindo do escritório de Ricardo.
Aproximou-se sorrateiramente.
Ricardo estava em uma videochamada. Com Letícia.
As roupas delas estavam espalhadas pelo chão do quarto de Letícia.
A cena era íntima, inconfundível.
Sofia sentiu o estômago revirar.
Ela entrou no escritório, o celular na mão, gravando.
"Então, Ricardo? Isso também é 'só um colar'?"
A voz dela tremia de raiva e nojo.
Ricardo pulou, derrubando o laptop.
A imagem de Letícia desapareceu.
"Sofia! O que você está fazendo?"
Ele avançou, furioso.
"Você não tem o direito de me espionar!"
Ele tentou arrancar o celular da mão dela.
"Saia daqui! Este é o meu escritório!"
De repente, o celular de Ricardo tocou.
Era Letícia, ligando de volta, provavelmente.
Ele atendeu, a voz tensa.
"Letícia? O que foi?"
A voz de Letícia soou, chorosa e fraca.
"Ricardo, estou passando mal. Minha anemia... acho que preciso ir ao hospital."
Ricardo olhou para Sofia, um brilho cruel nos olhos.
"Estou indo. E você vem comigo, Sofia. Sua irmã precisa de você."
Ele a agarrou pelo braço, arrastando-a para fora de casa, sem se importar se ela estava de pijama ou descalça.
Ele dirigia como um louco, costurando pelo trânsito.
Sofia olhou para o perfil dele, o homem que ela um dia amou.
Lembrou-se do jovem Ricardo, da voz dele no rádio, tão diferente.
O Ricardo que a protegia, que prometera amá-la para sempre.
Agora, ele era um opressor.
No hospital, os médicos confirmaram que Letícia precisava de uma transfusão.
E, convenientemente, Sofia era a única doadora compatível ali.
Eles a levaram para uma sala, e ela sentiu a agulha em seu braço, o sangue fluindo.
Sentia-se exausta, explorada, completamente sozinha.
Seus pais não estavam lá. Ricardo estava ao lado de Letícia.
O rádio amador, que Sofia conseguira esconder na bolsa, apitou.
Era o jovem Ricardo, a voz preocupada.
"Sofia? Você está bem? O que está acontecendo?"
Ela sussurrou a situação para ele, sentindo um pequeno conforto em sua preocupação.
Letícia apareceu na porta da sala de doação, um sorriso vitorioso no rosto.
Ricardo estava logo atrás dela, apoiando-a.
"Obrigada pelo sangue, irmãzinha," Letícia disse, a voz falsamente doce.
"Pena que foi usado para regar as plantas. Eu não precisei, afinal."
Ela mostrou um arranhão superficial no braço.
"Eu mesma fiz isso. Queria ver a sua cara quando Ricardo te culpasse."
Sofia ficou boquiaberta, incrédula.
Ricardo avançou, o rosto vermelho de raiva.
"Sua monstra! Como ousa machucar Letícia?"
Ele a empurrou com força contra a parede. A cabeça de Sofia bateu com um baque surdo.
Pelo rádio, que caíra da bolsa de Sofia e permanecia ligado, o jovem Ricardo ouviu tudo.
Sua voz explodiu, cheia de fúria e descrença.
"Ricardo! Seu desgraçado! O que você está fazendo com ela?"