Quando o Amor Vira Pesadelo: A Ascensão de Sofia
img img Quando o Amor Vira Pesadelo: A Ascensão de Sofia img Capítulo 4
5
Capítulo 5 img
Capítulo 6 img
Capítulo 7 img
Capítulo 8 img
Capítulo 9 img
Capítulo 10 img
Capítulo 11 img
Capítulo 12 img
Capítulo 13 img
Capítulo 14 img
Capítulo 15 img
Capítulo 16 img
Capítulo 17 img
Capítulo 18 img
Capítulo 19 img
Capítulo 20 img
Capítulo 21 img
Capítulo 22 img
Capítulo 23 img
Capítulo 24 img
Capítulo 25 img
img
  /  1
img

Capítulo 4

Sofia acordou com o cheiro familiar de hospital.

Uma enfermeira ajustava-lhe o soro.

A cabeça doía-lhe, o corpo estava pesado.

Ouviu vozes do lado de fora do quarto.

A voz de Beatriz, chorosa.

"Eu não sabia, Miguel! Juro! Pensei que eram só vitaminas! A embalagem era tão parecida..."

Vitaminas? Que ela deu como "comprimidos para a alergia"?

Depois, a voz de Miguel, apaziguadora.

"Calma, Bea. Eu sei que não foi por mal. Foi um acidente. Eu trato de tudo. Ninguém vai saber."

Ninguém vai saber.

Ele ia encobrir.

Proteger Beatriz, mesmo que isso significasse pôr a vida de Sofia em risco.

A raiva subiu-lhe pela garganta, amarga como o veneno que quase a matara.

Miguel entrou no quarto, o rosto uma máscara de preocupação forçada.

"Sofia! Graças a Deus, acordaste! Que susto nos pregaste!"

"Susto?" A voz dela era rouca. "Tu deixaste-me ali, Miguel. Quase morri."

"Não exageres, Sofia. Foi só uma reação alérgica forte. A Beatriz trocou os comprimidos, coitada. Está arrasada."

Minimizando. Como sempre.

A culpa nunca era dele, nem da sua protegida.

"Ela deu-me algo que me fez mal de propósito, Miguel."

"Não digas isso. A Beatriz nunca faria tal coisa. Ela adora-te."

Adora-a?

Sofia quis rir, mas a dor no peito era demasiado forte.

Lembrou-se de uma vez, anos antes, quando tivera uma intoxicação alimentar.

Miguel não saíra do seu lado.

Segurara-lhe a mão, trouxera-lhe canjas, lera para ela.

Aquele Miguel desaparecera.

Em seu lugar, estava um estranho, um homem cruel e indiferente.

Um homem que escolhera outra.

Ele não ficou muito tempo.

"Tenho de ir ver a Beatriz. Ela está muito nervosa."

Abandonou-a. De novo.

No hospital, sozinha, enquanto ia consolar a mulher que a envenenara.

Nos dias seguintes, viu fotos nas redes sociais.

Miguel e Beatriz em jantares românticos.

Miguel e Beatriz a passear de mão dada no parque onde ele a pedira em casamento.

Cada imagem, uma nova facada.

Ele nem sequer tentava disfarçar.

Estava a exibir o seu novo amor, a esfregar a traição na cara de Sofia e do mundo.

Chegou o dia da missa de aniversário da morte da mãe de Sofia.

Uma data sagrada para ela.

Miguel apareceu no hospital de manhã.

"Vou levar-te ao cemitério," disse ele.

Um pingo de esperança acendeu-se em Sofia.

Talvez ele se lembrasse. Talvez ainda houvesse um resquício de decência nele.

A esperança morreu quando viu Beatriz à espera no carro.

"A Beatriz quis vir dar apoio," disse Miguel, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Apoio? A presença dela era uma profanação.

No Cemitério dos Prazeres, o ar era pesado, solene.

Sofia caminhava devagar, apoiada na muleta, o coração apertado.

Levava um ramo de lírios brancos, as flores favoritas da sua mãe.

Beatriz seguia-os, de cabeça baixa, a fingir respeito.

Ao chegarem à campa da mãe de Sofia, Beatriz "tropeçou".

Desequilibrou-se, esbarrou em Sofia.

Os lírios caíram da mão de Sofia, espalhando-se pela lama da chuva da noite anterior.

"Oh, meu Deus! Desculpe, Sofia! Que desastrada!"

Beatriz parecia genuinamente aflita.

Mas Sofia viu o brilho fugaz de satisfação nos seus olhos antes que ela baixasse a cabeça novamente.

Miguel reagiu imediatamente.

"Sofia! Tem mais atenção por onde andas! Quase fazias a Beatriz cair! Pede desculpa!"

Pedir desculpa?

Por ter as suas flores profanadas?

Por ter a memória da sua mãe insultada?

"Miguel, ela derrubou as flores de propósito!"

"Não sejas paranoica! Foi um acidente! Pede desculpa à Beatriz, agora!"

A voz dele era dura, ameaçadora.

Ali, em frente ao túmulo da sua mãe.

A humilhação final.

Sofia olhou para a lama, para as pétalas brancas manchadas.

Sentiu algo a quebrar dentro dela.

Não, ela não ia pedir desculpa.

Mas antes que pudesse dizer alguma coisa, Beatriz ajoelhou-se, a começar a apanhar as flores sujas.

"Não faz mal, Sofia. Eu limpo."

Miguel puxou-a para cima.

"Deixa estar, Bea. Ela não merece a tua bondade."

Virou-se para Sofia, os olhos a faiscar.

"Tu és inacreditável."

Agarrou no braço de Beatriz e afastou-se, deixando Sofia sozinha com as flores na lama e o coração em pedaços.

Ele não olhou para trás.

Sofia ficou ali, a tremer.

Ajoelhou-se, as lágrimas a misturarem-se com a chuva fina que começara a cair.

Tentou limpar as flores, mas estavam arruinadas.

Como a sua vida.

Como o seu casamento.

Pegou numa das pétalas sujas.

Mais uma carta para queimar.

Mas quantas mais seriam precisas até que não restasse nada dela?

Enquanto estava ali, de rastos, o seu telemóvel tocou.

Um número desconhecido.

Atendeu, a voz embargada.

"Sofia Almeida?"

"Sim."

"Tenho más notícias sobre a campa da sua mãe. Devido aos recentes deslizamentos de terra na encosta do cemitério, várias sepulturas, incluindo a dela, terão de ser realojadas urgentemente. Precisamos que venha tratar da exumação e da transladação dos restos mortais."

O mundo de Sofia girou.

Até em morte, a sua mãe não tinha paz.

E ela, que mal se aguentava em pé, teria de tratar de tudo.

Sozinha.

                         

COPYRIGHT(©) 2022