No hospital, o cheiro a antissético era avassalador. Sentei-me numa cadeira de plástico desconfortável, à espera de notícias. Cada minuto parecia uma hora.
Finalmente, um médico apareceu. A sua expressão era grave.
"A condição do seu irmão é crítica," disse ele, com uma voz calma mas firme. "Ele sofreu uma inalação severa de fumo. Os pulmões dele estão gravemente danificados. A condição crónica que ele já tinha... isto complicou tudo de forma perigosa. As próximas 48 horas são cruciais."
As palavras dele eram como golpes físicos. Senti o ar a faltar-me.
Pouco depois, Leo, Helena e Clara entraram na sala de espera. Helena correu para a filha, a examinar um pequeno arranhão no braço de Clara como se fosse um ferimento mortal.
"Oh, minha querida, que susto! Estás bem? Aquele fumo todo... podias ter morrido!"
Clara fungava, encostada ao ombro da mãe. "Foi horrível, mãe. O Leo foi um herói. Salvou-me."
Helena virou-se para mim, o seu olhar frio como gelo.
"Devias estar grata, Sofia. O meu filho é um herói. Ele arriscou a vida dele. A família tem de vir primeiro nestas situações."
A família. A família deles. O meu irmão, a lutar pela vida a poucos metros de distância, não contava.
A raiva sobrepôs-se ao choque. Levantei-me.
"O dinheiro, Leo," disse eu, a minha voz a tremer. "O dinheiro para o tratamento do Miguel. Estava debaixo da cama dele, numa caixa. Eram todas as nossas poupanças."
Leo desviou o olhar novamente. "Sofia, agora não é altura para falar de dinheiro. Vidas estavam em risco."
"A vida do meu irmão estava em risco!" a minha voz subiu de tom. "Aquele dinheiro era a única esperança dele! Tu foste ao segundo andar buscar a tua irmã e a mala de luxo dela, mas não conseguiste subir ao quinto para salvar o meu irmão e a única coisa que o podia manter vivo?"
"Não fales assim com o meu filho!" interveio Helena, defensiva. "Ele fez o que pôde! Se o teu irmão era tão importante, porque é que guardavas o dinheiro dele num apartamento em vez de num banco?"
A crueldade da pergunta deixou-me sem palavras.
Ficámos em silêncio, a tensão a pairar no ar, até que uma enfermeira nos interrompeu.
"A família do senhor Miguel Andrade?"
Virei-me de imediato. "Sou eu, a irmã dele."
"Ele está a ser transferido para os cuidados intensivos. Podem vê-lo por um momento, mas apenas uma pessoa de cada vez."
Sem sequer olhar para trás, segui a enfermeira pelo corredor.