Passei a noite numa poltrona ao lado da cama do Miguel. Vê-lo ligado a tantas máquinas, o peito a subir e a descer com a ajuda de um ventilador, partia-me o coração.
De manhã, exausta, fui à cafetaria do hospital buscar um café. Enquanto esperava na fila, uma mulher de meia-idade olhou para mim com reconhecimento.
"Você é a irmã do rapaz do 5B, não é? Do incêndio de ontem."
Assenti com a cabeça, sem forças para falar.
"Eu moro no 4B," continuou ela, baixando a voz. "Eu vi tudo. Vi o seu marido, o bombeiro. Toda a gente o conhece no prédio."
Senti um aperto no estômago.
"Ele foi direto para o apartamento da irmã dele no segundo andar," disse a mulher, o seu olhar cheio de pena. "O fogo ainda nem tinha chegado àquele lado do prédio. Eu ouvi-os a discutir lá dentro. Ela não queria sair sem as joias e as malas dela. Ele demorou bastante tempo lá."
Cada palavra dela era uma confirmação do meu pior medo.
"Quando ele finalmente a trouxe para fora," continuou ela, "o fumo já estava muito denso nos andares de cima. Eu vi-o a olhar para cima, para a janela do seu irmão... e ele hesitou. Depois, simplesmente entregou a irmã aos outros bombeiros e ficou lá em baixo."
A mentira. Não era que ele "não conseguiu chegar a tempo". Ele nem sequer tentou a sério. Ele escolheu conscientemente as posses da irmã em vez da vida do meu irmão.
"Sinto muito, querida," disse a mulher, tocando-me levemente no braço. "É uma coisa terrível."
Agradeci-lhe com um aceno de cabeça, peguei no meu café e saí da cafetaria. O líquido quente nas minhas mãos não fazia nada para aquecer o frio que se tinha instalado dentro de mim.
A traição era tão clara, tão feia.
Voltei para o quarto do Miguel e sentei-me. Olhei para o seu rosto pálido.
"Eu vou tirar-te daqui, Miguel," sussurrei. "Eu prometo."
Naquele momento, tomei uma decisão. Não havia volta a dar.