Ele apareceu no dia seguinte.
Não veio sozinho.
Miguel entrou no meu quarto, seguido de perto por Sofia, que mancava de forma exagerada, e pelo seu pai, o meu padrasto, Jorge.
O rosto de Miguel estava tenso. Ele tentou sorrir.
"Eva. Como te sentes?"
Não respondi. Apenas o encarei.
Sofia aproximou-se, os seus olhos a encherem-se de lágrimas de crocodilo.
"Eva, eu sinto tanto. Nós viemos assim que soubemos. O meu pai estava tão preocupado."
Ela enfatizou "o meu pai". Não "nós".
Jorge, um homem que sempre me olhou com desdém, cruzou os braços.
"Isto é uma situação terrível. A tua mãe está a lutar pela vida."
Ele não mencionou o meu filho. Ninguém mencionou o meu filho.
Miguel aproximou-se mais, tentando pegar na minha mão. Eu afastei-a.
"Eu sei que estás chateada", disse ele em voz baixa. "Mas a Sofia estava com muitas dores. Eu não podia simplesmente abandoná-la."
"Ela torceu o tornozelo, Miguel."
"Foi uma queda feia! Ela podia ter partido alguma coisa!"
Olhei para Sofia. Ela estava a usar um sapato normal no pé supostamente magoado. Não havia inchaço. Não havia ligadura.
"Miguel", disse eu, a minha voz calma e fria. "Vamos divorciar-nos."
O silêncio no quarto foi total.
Miguel olhou para mim, chocado.
"O quê? Não podes estar a falar a sério. Estás a passar por um trauma. Não estás a pensar com clareza."
"Eu nunca pensei com tanta clareza em toda a minha vida."
Jorge deu um passo em frente, a sua cara vermelha de raiva.
"Que ingratidão! Depois de tudo o que esta família fez por ti! O Miguel cometeu um erro, talvez. Mas falar em divórcio? Por causa disto? És igual à tua mãe, sempre a fazer dramas."
"A minha mãe está nos cuidados intensivos por causa de um acidente que o seu marido ignorou."
"Eu não ignorei!", gritou Miguel. "Eu disse-te para chamares uma ambulância! O que é que eu devia ter feito? Voar até lá?"
"Devias ter estado lá", disse eu simplesmente. "Devias ter escolhido a tua mulher e o teu filho por nascer em vez da tua meia-irmã e do seu tornozelo falso."
Sofia começou a chorar alto.
"Eu não fingi! Dói mesmo! Como podes ser tão cruel, Eva?"
Miguel foi imediatamente para o lado dela, a confortá-la.
"Vês o que fizeste? Ela já está a passar por tanto."
Olhei para aquela cena. O meu marido a consolar outra mulher enquanto eu estava numa cama de hospital, de luto pelo nosso filho morto.
Fechei os olhos.
"Saiam. Todos vocês. Saiam do meu quarto."