O telemóvel do Leo tocou. Ele olhou para o ecrã e atendeu imediatamente, a sua voz a suavizar.
"Olá, pai."
Era Ricardo, o meu sogro. Pude ouvir a sua voz alta e zangada mesmo do outro lado do quarto. Leo afastou-se, mas não o suficiente.
"O que se passa com a Sofia? A tua mãe disse-me que ela está a causar problemas de novo, a falar em divórcio. Que ingratidão é essa?"
Leo lançou-me um olhar furioso.
"Pai, ela está a ser irracional. Está a exagerar as coisas."
"Exagerar? A Clara podia ter tido um colapso! Ela é sensível, tu sabes disso. A Sofia tem de aprender a ser menos egoísta. Uma família apoia-se mutuamente. Ela casou com a nossa família, tem de aceitar as nossas responsabilidades."
As suas responsabilidades. A sua responsabilidade era a Clara. A minha, aparentemente, era aguentar e calar-me.
Senti uma onda de frio percorrer-me, mas não era da janela aberta. Era uma clareza gelada. Isto não era novo. Era apenas a vez mais grave.
Leo desligou o telemóvel, o seu rosto uma máscara de ressentimento.
"Estás a ver? Estás a perturbar toda a gente. O meu pai está zangado. A Isabel está preocupada com a Clara. Tudo por causa do teu drama."
"O meu drama?", repeti, a minha voz ainda baixa, mas firme. "O meu drama é que o nosso filho está morto, Leo."
A palavra "morto" pairou no ar entre nós. Foi a primeira vez que foi dita em voz alta.
Leo vacilou. Por um segundo, vi um vislumbre de dor no seu rosto. Mas desapareceu tão depressa como apareceu, substituído pela defesa.
"Não fales assim. Foi um acidente. Estas coisas acontecem."
"Não. Tu aconteceste, Leo. A tua escolha aconteceu."
Ele abriu a boca para discutir, mas depois pareceu pensar melhor. Ele mudou de tática.
"Olha, estás perturbada. Não estás a pensar com clareza. Descansa um pouco. Falamos sobre isto quando estiveres melhor."
Ele deu um passo em direção à porta.
"Onde vais?", perguntei.
"Vou ver como a Clara está. Ela não para de me mandar mensagens. Ela sente-se culpada. Preciso de lhe garantir que não foi culpa dela."
Ele saiu e fechou a porta atrás de si.
Fiquei a olhar para a porta fechada. Ele foi confortar a pessoa que se sentia culpada, em vez de ficar com a pessoa que estava de luto.
A decisão de me divorciar não era um pensamento irracional nascido do luto. Era a única coisa lógica a fazer.