Acordei num quarto de hospital, o teto branco girando enquanto o cheiro de desinfetante me invadia.
A minha mão foi à barriga, vazia.
O meu filho tinha partido.
O meu marido, Leo, entrou, mas não trouxe luto ou consolo.
A sua testa estava franzida de irritação.
"Finalmente acordaste," disse ele, queixando-se de ter passado o dia a socorrer a irmã, Clara, cujo gato tivera um ataque de asma por causa do fumo do INCÊNDIO NO MEU PRÉDIO.
Nem uma palavra sobre mim, ou sobre o nosso bebé morto.
Para ele, o meu "drama" era um incómodo.
A sua família uniu-se nos ataques, o pai Ricardo a chamar-me "ingrata", a mãe Isabel a insinuar que a culpa era minha por não ser "forte" o suficiente.
Leo deixou-me, de luto, para ir consolar a "culpa" de Clara, e ainda sugeriu: "Podemos tentar ter outro bebé."
Outro bebé? Como se a vida do nosso Mateus fosse substituível.
Como podia ele, o homem que jurei amar, ver o nosso filho como um inconveniente, e a mim como histérica?
A clareza gelada atingiu-me: ele não escolheu salvar-nos; ele escolheu abandonar-nos.
Mas porquê?
Naquele momento, algo em mim estalou.
A dor transformou-se em determinação.
Eu não seria mais uma vítima.
Comecei a recolher provas, registos telefónicos, relatórios do incêndio, dados da qualidade do ar.
Tudo para expor a verdade, a sua escolha deliberada de me deixar morrer naquele inferno enquanto acudia um "capricho".
A justiça devia ser feita.