A água da chuva batia com força no para-brisas do carro, o som era ensurdecedor.
Lá fora, a rua transformou-se num rio de água barrenta e furiosa, arrastando caixotes do lixo e detritos.
O meu carro estava parado, o motor tinha morrido há dez minutos.
A água já subia pelos meus tornozelos dentro do carro.
Eu estava grávida de nove meses, a minha barriga enorme pressionava o volante.
O pânico começou a instalar-se, frio e rápido.
Peguei no telemóvel com os dedos a tremer e liguei ao meu marido, Léo.
A chamada demorou a ser atendida, cada toque parecia uma eternidade.
Finalmente, a voz dele soou, impaciente.
"Eva? O que se passa? Estou ocupado."
"Léo, preciso de ajuda," a minha voz saiu trémula, "O carro avariou na Avenida da Liberdade, a rua está completamente inundada, a água está a entrar no carro."
Houve uma pausa. Ao fundo, ouvi a voz da sua meia-irmã, Sofia.
"Léo, o Miau está tão assustado com os trovões, não me deixes sozinha."
A voz dela era chorosa, mas soava segura, abrigada.
"Eva, ouve," disse Léo, a sua voz tornou-se dura, "A Sofia está em pânico, o gato dela não para de miar. Estou a tentar acalmá-la. Não te podes desenrascar sozinha? Liga para os bombeiros."
"Léo, eu estou a ligar para ti! Estás a cinco minutos daqui! Os bombeiros não vão chegar a tempo, a água está a subir muito depressa. Por favor."
Eu estava a implorar, o que era algo que eu raramente fazia.
"Eu não posso simplesmente deixar a Sofia," ele respondeu, a irritação clara na sua voz, "Ela precisa de mim. És uma mulher adulta, Eva. Resolve isso. Tenho de ir."
"Não, Léo, espera..."
Mas ele desligou.
O som do "tu-tu-tu" foi mais violento do que a tempestade lá fora.
Olhei para a minha barriga. O nosso filho. O filho dele.
Tentei ligar outra vez. E outra. E outra.
A chamada ia sempre para o correio de voz. Ele tinha desligado o telemóvel ou bloqueado o meu número.
As lágrimas misturavam-se com a água suja que agora me chegava aos joelhos.
O carro balançou violentamente. Um contentor de lixo bateu contra a porta do condutor com um estrondo metálico.
A janela estilhaçou-se.
A água gelada entrou de rompante.
A minha última visão foi a da água a subir rapidamente em direção ao meu rosto.
Depois, tudo ficou escuro.