Senti-me como uma intrusa. O pessoal, liderado por uma governanta austera chamada Helena, tratava-me com uma cortesia fria e distante. Eu tinha um quarto enorme, um closet cheio de roupas de designer que Ricardo tinha mandado comprar para mim, e todo o tempo do mundo.
Mas eu estava mais sozinha do que nunca.
Ricardo era uma presença fantasma. Ele saía antes de eu acordar e voltava muito depois de eu me deitar. Comunicávamos principalmente através de bilhetes deixados pela Helena. "Esteja pronta às 19h para um jantar de caridade." "Temos um evento de negócios no sábado."
O meu pai continuava em coma, mas agora estava na melhor ala privada do hospital, com os melhores médicos a cuidar dele. A primeira fatura, que teria sido a minha ruína, foi paga sem que eu sequer a visse. Por isso, eu cumpria a minha parte do acordo.
Vesti os vestidos caros, sorri para as câmaras ao lado do meu "marido" e aprendi a navegar no mundo dos ricos e poderosos. Era um mundo de sorrisos falsos e conversas vazias.
Foi num desses eventos, uma gala de angariação de fundos, que voltei a ver o Pedro.
Ele estava do outro lado do salão, a conversar com alguns colegas. Quando os nossos olhares se cruzaram, a sua expressão passou de surpresa a choque e depois a raiva pura. Ele começou a caminhar na minha direção, a abrir caminho entre a multidão.
Ricardo, que estava ao meu lado a falar com um senador, pareceu sentir a mudança no ar. Ele pousou uma mão na parte inferior das minhas costas, um gesto possessivo que enviou um arrepio pela minha espinha.
"Algum problema, querida?", perguntou ele, a sua voz baixa o suficiente para só eu ouvir.
"O meu ex-marido está a vir para cá", murmurei.
"Ah, sim. O herói", disse Ricardo, com um toque de sarcasmo.
Pedro parou à nossa frente, o seu rosto vermelho de fúria. Ele ignorou completamente Ricardo e focou-se em mim.
"Sofia? O que raio estás a fazer aqui? E vestida assim?" O seu olhar percorreu o meu vestido de seda azul, o colar de diamantes no meu pescoço. "Com quem é que te meteste?"
Antes que eu pudesse responder, Ricardo estendeu a mão.
"Ricardo Aguilar. O marido dela."
A mandíbula de Pedro caiu. Ele olhou de Ricardo para mim, e de volta para Ricardo. A confusão nos seus olhos deu lugar a uma compreensão feia.
"Tu... Tu casaste com ele?", gaguejou ele. "Mas nós divorciámo-nos há menos de um mês! E o teu pai está..."
"O Sr. Aguilar tem sido muito generoso a ajudar com as despesas do meu pai", disse eu, a minha voz mais firme do que eu esperava.
Os olhos de Pedro estreitaram-se. "Generoso? Eu sei que tipo de 'generosidade' homens como ele esperam em troca. Vendeste-te, Sofia. Eu não posso acreditar."
A acusação atingiu-me com força.
"Tu não tens o direito de me julgar", sibilei. "Onde é que tu estavas quando eu precisei de ajuda? Ah, espera, estavas a salvar o gato da Lúcia."
O rosto de Pedro ficou ainda mais escuro. "Isso não é justo! Eu salvei uma vida!"
"O meu pai também tem uma vida!", retorqui, a minha voz a subir. "Uma vida que tu ignoraste!"
A tensão era palpável. As pessoas à nossa volta começaram a olhar.
Ricardo apertou ligeiramente a mão nas minhas costas. "Pedro, não é?", disse ele, com uma calma perigosa. "Acho que já causaste problemas suficientes por uma noite. Se fosses inteligente, ias embora agora."
Pedro olhou para Ricardo, o seu chefe todo-poderoso, e a raiva nos seus olhos foi substituída por um medo mal disfarçado. Ele sabia que estava em terreno perigoso.
Ele lançou-me um último olhar, cheio de desprezo e mágoa. "Eu não te reconheço mais, Sofia."
Depois, virou-se e desapareceu na multidão.
Fiquei a tremer, as minhas emoções em tumulto.
"Vamos para casa", disse Ricardo, a sua voz suave mas firme.
Ele guiou-me para fora do salão, sem dizer mais uma palavra. No carro, o silêncio era pesado. Eu olhava pela janela, a ver as luzes da cidade a passar, a sentir-me suja e humilhada.
Quando chegámos à mansão, eu fui direta para o meu quarto. Tirei o vestido e as joias, sentindo-me como se estivesse a tirar um disfarce.
Estava prestes a entrar no chuveiro quando ouvi uma batida na porta.
"Entra", disse eu, a pensar que era a Helena.
Mas foi Ricardo que entrou. Ele estava sem o casaco do fato, com a gravata afrouxada. Foi a primeira vez que o vi no meu quarto.
"Estás bem?", perguntou ele.
Fiquei surpreendida com a pergunta. "Vou ficar."
Ele encostou-se à ombreira da porta, a observar-me. "Ele não tinha o direito de te falar daquela maneira."
"Eu sei."
"O que ele disse... sobre te teres vendido..."
"É verdade, não é?", disse eu, com uma amargura na voz. "Eu vendi-me. Para te salvar o pai."
Ele ficou em silêncio por um momento, o seu olhar intenso. "Não. Tu fizeste um sacrifício. Há uma diferença."
As suas palavras apanharam-me de surpresa. Ninguém, nem mesmo eu, tinha visto as coisas dessa forma.
Ele deu um passo para dentro do quarto. "Eu sei porque é que o teu pai e eu éramos amigos, Sofia. Ele uma vez fez um sacrifício por mim. Um grande sacrifício. Eu estou apenas a retribuir o favor."
A sua confissão pairou no ar, cheia de significado não dito.
"O que é que ele fez?", perguntei, curiosa.
Ricardo abanou a cabeça. "Isso é uma história para outro dia. Descansa. Amanhã é um novo dia."
Ele virou-se para sair, mas parou à porta.
"E Sofia", disse ele, sem se virar. "Da próxima vez que o Pedro te incomodar, diz-me. Eu trato do assunto."
Depois, ele foi-se embora, deixando-me sozinha com os meus pensamentos e um vislumbre inesperado do homem por detrás da máscara de bilionário.