Quando abri os olhos, o teto branco do hospital foi a primeira coisa que vi. O cheiro de desinfetante enchia as minhas narinas.
Ao meu lado, a minha mãe, Lúcia, ainda dormia, o seu rosto pálido sob a luz fraca.
A médica, uma mulher de meia-idade com uma expressão cansada, estava a verificar os meus sinais vitais.
"Como te sentes, Sofia?"
A voz dela era suave.
"O meu bebé..." A minha voz saiu rouca, um sussurro fraco.
A médica fez uma pausa, o seu olhar suavizou com pena. "Sofia, lamento muito. Devido ao acidente de carro e à tua hemorragia grave, não conseguimos salvar o bebé. Tivemos de realizar uma cesariana de emergência para te salvar a ti."
As palavras dela pairaram no ar, pesadas e frias.
O meu bebé. Desaparecido.
Senti um vazio oco no meu peito, um espaço frio onde antes havia vida.
"E o meu marido, Pedro? Ele está aqui?" perguntei, agarrando-me a um último fio de esperança.
A médica hesitou. "Ele veio mais cedo, mas... teve de sair. A irmã dele, a Clara, também estava no acidente e precisava dele."
Clara. Claro.
A minha mão foi instintivamente para a minha barriga, agora estranhamente lisa sob o lençol do hospital. O meu telemóvel estava na mesa de cabeceira. Peguei nele com as mãos a tremer.
Inúmeras chamadas não atendidas para o Pedro. Nenhuma resposta.
Liguei novamente. O telefone tocou, uma, duas, três vezes. Finalmente, ele atendeu. A sua voz estava tensa, irritada.
"O que foi, Sofia? Estou ocupado."
"Ocupado?", repeti, a minha voz a tremer. "Pedro, o nosso bebé... o nosso bebé morreu."
Houve um silêncio do outro lado da linha. Não um silêncio de choque ou dor, mas um silêncio impaciente.
"Eu sei. A médica disse-me. Ouve, a Clara está a passar por um momento difícil. Ela deslocou o ombro e está em pânico. Preciso de ficar com ela."
A voz calma e racional dele era mais dolorosa do que qualquer grito.
"Ela deslocou o ombro", disse eu lentamente, a incredulidade a transformar-se em raiva fria. "Eu perdi o nosso filho, Pedro. O filho que tentámos ter durante três anos."
"Não tornes isto mais difícil do que já é, Sofia", retorquiu ele. "Foi um acidente. Estas coisas acontecem. A Clara é a minha irmã, ela precisa de mim agora. Não sejas egoísta."
Egoísta. A palavra atingiu-me com a força de um soco.
"Vamos divorciar-nos, Pedro."
A decisão formou-se na minha mente, clara e final. A única coisa que me ligava a ele tinha desaparecido.
"Divórcio? Estás a falar a sério?", ele riu, um som áspero e incrédulo. "Depois de tudo o que fiz por ti e pela tua mãe? Estás a ser ridícula. Vamos falar quando estiveres a pensar com clareza."
Ele desligou.
Olhei para o ecrã escuro do telemóvel. As lágrimas que eu não sabia que estava a segurar começaram a rolar pelo meu rosto, silenciosas e quentes.
Ele nem sequer perguntou como eu estava.