O alarme de incêndio soou, um grito agudo que me rasgou o sono. Abri os olhos, confusa, e o cheiro a queimado invadiu-me as narinas. Fumo. Um fumo denso e cinzento já se infiltrava por debaixo da porta do nosso quarto.
Levantei-me de repente, o pânico a gelar-me o sangue. A minha barriga de oito meses tornou o movimento lento e desajeitado. Corri para a porta, mas o metal da maçaneta estava a ferver. Recuei, com a mão a latejar.
Estávamos no décimo andar. As escadas eram a única saída.
Agarrei no meu telemóvel e disquei o número do meu marido, Leo. Ele tinha saído há uma hora para ir a casa da mãe, a poucos quarteirões de distância.
A chamada foi para a caixa de correio.
Liguei outra vez. E outra. O fumo ficava mais espesso, a minha respiração mais curta. Comecei a tossir, um som seco e desesperado no silêncio do apartamento.
Finalmente, à quinta tentativa, ele atendeu. A sua voz estava irritada, impaciente.
"O que foi, Eva? Estou ocupado."
"Leo, o prédio está a arder! Estou presa no quarto, não consigo sair!"
A minha voz era um fio, quebrada pelo pânico e pela tosse.
Houve uma pausa do outro lado. Ouvi uma voz feminina ao fundo, a voz da Sofia, a sua melhor amiga de infância. Ela estava a chorar.
"Calma, Eva", disse ele, mas o seu tom era distante, como se estivesse a falar de um problema menor. "A Sofia está a ter um ataque de pânico por causa das sirenes, lembra-se do incêndio da casa dos pais dela. Tenho de a acalmar. Os bombeiros já devem estar a chegar aí. Molha umas toalhas e põe na porta."
"Leo, por favor, vem ajudar-me! Estás tão perto!"
"Eu não posso deixar a Sofia sozinha neste estado! Ela precisa de mim! Faz o que eu te disse, Eva. Sê razoável."
Ele desligou.
Olhei para o telemóvel na minha mão, incrédula. O fumo queimava-me os olhos, as lágrimas escorriam-me pela cara. Sentei-me no chão, encostada à parede mais longe da porta, e abracei a minha barriga. O nosso filho. O nosso bebé.
"Vai ficar tudo bem, meu amor", sussurrei para a minha barriga, mais para me convencer a mim do que a ele.
A última coisa que me lembro é do som de um machado a partir a porta do quarto e de um bombeiro a gritar o meu nome. Depois, tudo ficou escuro.
Acordei num quarto de hospital. O cheiro era a antisséptico, não a fumo. Uma enfermeira estava a ajustar o soro ao meu lado. Olhei para a minha barriga. Estava vazia. Lisa.
Um médico entrou, com uma expressão grave. Ele não precisou de dizer nada. Eu já sabia.
"Lamentamos muito", disse ele, com a voz suave. "Devido à inalação de fumo e ao stress agudo, entrou em trabalho de parto prematuro. Fizemos tudo o que podíamos, mas o bebé..."
Ele não terminou a frase. Não precisava. O meu mundo desabou em silêncio. Não chorei. Não gritei. Apenas senti um vazio imenso a abrir-se dentro de mim, um buraco negro onde antes havia vida.
O meu filho tinha-se ido. E o pai dele estava a consolar outra mulher.