Leo só apareceu duas horas depois, acompanhado pela mãe dele, a Helena. Ele não parecia um homem que tinha acabado de perder um filho. Parecia apenas cansado e contrariado.
"Eva, estás bem? Fiquei tão preocupado", disse ele, mas as suas palavras soavam ocas, ensaiadas.
A Helena aproximou-se da cama, com o seu olhar crítico de sempre.
"Que tragédia. Graças a Deus que o Leo estava com a Sofia. A coitada ficou em choque, teve de ser sedada. Se o Leo não estivesse lá, não sei o que teria sido dela."
Olhei para eles, um de cada vez. A dor dentro de mim transformou-se numa raiva fria e cortante.
"Onde estavas, Leo?", perguntei, com a voz rouca.
Ele desviou o olhar. "Eu já te disse. A Sofia entrou em pânico. Ela tem um trauma."
"E eu? Eu estava presa num incêndio, a carregar o teu filho. Isso não era uma emergência?"
"Claro que era!", interveio a Helena, defensiva. "Mas os bombeiros existem para isso! O meu filho não é bombeiro. Ele fez o que pôde, ajudou uma alma desamparada. Devias ter orgulho nele."
Orgulho. A palavra soou como um insulto.
"Ele deixou-me para morrer", disse eu, olhando diretamente para o Leo. "Ele escolheu a Sofia em vez de mim e do nosso filho."
"Não sejas dramática, Eva", disse o Leo, a sua paciência a esgotar-se. "Eu não te deixei para morrer. Eu disse-te para pores toalhas molhadas na porta. Eu sabia que os bombeiros iam chegar. A Sofia não tinha ninguém."
"Ela tinha-te a ti. E eu, supostamente, também."
Virei a cabeça para a janela. O céu estava cinzento.
"Quero o divórcio, Leo."
O silêncio no quarto foi pesado. A Helena arfou, chocada. O Leo olhou para mim como se eu tivesse enlouquecido.
"O quê? Divórcio? Acabámos de perder o nosso filho e tu estás a falar em divórcio? Não tens coração?"
"O meu coração parou de bater ontem à noite, no nosso apartamento", respondi, sem olhar para ele. "Quando percebi que o meu marido e o pai do meu filho se preocupava mais com o ataque de pânico de outra mulher do que com as nossas vidas."
"Isto é inacreditável", disse a Helena, abanando a cabeça. "Depois de tudo o que o meu filho faz por ti. És uma ingrata."
"Por favor, saiam", pedi, com a voz a tremer pela primeira vez. "Quero ficar sozinha."
O Leo ainda tentou argumentar, mas eu fechei os olhos e ignorei-o. Eventualmente, ouvi os seus passos a afastarem-se e a porta a fechar-se suavemente.
O divórcio não era uma ameaça. Era uma promessa. A única coisa que me restava.