Capítulo 3

Tive alta do hospital três dias depois. O Leo não veio buscar-me. Mandou um táxi. Quando cheguei ao nosso apartamento, ele não estava lá. Havia um bilhete em cima da mesa da cozinha.

"Fui ficar uns dias em casa dos meus pais. Precisamos de espaço. Conversamos quando estiveres mais calma. Leo."

Mais calma. Como se a minha dor fosse um acesso de raiva passageiro.

O apartamento cheirava a produtos de limpeza e a tinta fresca. Tinham reparado os danos do fumo. Mas eu ainda conseguia ver as marcas negras à volta da ombreira da porta do quarto. A porta era nova.

Andei pela casa como um fantasma. O quarto do bebé estava intacto, com o berço montado e as roupinhas dobradas. Fechei a porta. Não conseguia olhar.

Sentei-me ao computador para tratar de umas burocracias, cancelar as consultas de obstetrícia, coisas assim. Abri a nossa conta bancária conjunta para verificar um pagamento.

E foi aí que vi.

Uma transferência de 20.000 euros. Feita no dia do incêndio, pela manhã. Destinatário: Sofia Mendes. Descrição: "Entrada para apartamento".

Vinte mil euros. O dinheiro que tínhamos guardado para as despesas do bebé, para o futuro dele. O Leo tinha-o dado à Sofia. Sem me dizer nada.

O ecrã do computador ficou desfocado. Senti uma náusea. Não era apenas negligência. Era uma traição planeada, fria. Ele não estava apenas a consolá-la. Estava a construir uma vida para ela com o nosso dinheiro.

Imprimi o extrato bancário. Dobrei o papel cuidadosamente e guardei-o na minha mala. Era a primeira peça de prova.

O meu telemóvel vibrou. Era uma mensagem do Leo.

"A minha mãe disse que já estás em casa. Espero que estejas melhor. Não tomes nenhuma decisão precipitada. Pensa em nós."

Pensa em nós. Já não havia "nós". Havia eu. E havia ele e a Sofia.

Apaguei a mensagem. Bloqueei o número dele. Depois, procurei no Google por "melhores advogados de divórcio em Lisboa".

A calma dele tinha acabado. A minha guerra estava apenas a começar.