Não sei quanto tempo passou. Perdi a noção de tudo, exceto do fumo cada vez mais espesso e do som da minha própria tosse.
Quando finalmente uns braços fortes me agarraram, não eram os do Leo. Eram dois bombeiros que eu nunca tinha visto na vida. Eles puseram-nos máscaras de oxigénio e guiaram-nos por uma escada de emergência.
No hospital, o cheiro a antissético substituiu o cheiro a queimado. Colocaram-me numa cama e ligaram-me a monitores. A minha mãe estava na cama ao lado, a receber tratamento por inalação de fumo.
Uma médica com uma expressão séria veio ver-me.
"Senhora Eva, o seu nível de oxigénio no sangue estava perigosamente baixo. O stresse e a inalação de fumo causaram contrações."
O meu coração afundou-se.
"O bebé... o bebé está bem?"
A médica hesitou. "Fizemos uma ecografia. O ritmo cardíaco do bebé está fraco. O sofrimento fetal é agudo. Temos de agir rapidamente."
Naquele momento, a porta do quarto abriu-se. Era o Leo, com a Sofia a reboque. Ela tinha os olhos vermelhos de chorar, mas fora isso, parecia perfeitamente bem. Nos seus braços, estava o gato, Mimo, a ronronar.
O Leo nem olhou para a minha mãe. Veio direto até mim.
"Eva, estás bem? Fiquei tão preocupado."
A sua hipocrisia era tão espessa que me dava náuseas.
"Preocupado?", a minha voz saiu rouca. "Foste salvar um gato, Leo."
"Não fales assim," disse ele, baixando a voz. "A Sofia estava a ter um ataque de pânico. Ela não tem ninguém. Eu era o único que a podia acalmar."
A Sofia começou a chorar de novo.
"Eva, desculpa. Eu não queria causar problemas. Fiquei com tanto medo pelo Mimo."
Olhei para ela, depois para o Leo. Ele estava a olhar para a Sofia com uma preocupação que nunca me tinha dirigido.
"O nosso filho pode não sobreviver, Leo."
As palavras saíram frias e sem vida.
A cara do Leo ficou pálida. "O quê? O que é que a médica disse?"
"Sofrimento fetal agudo," repeti, a voz a tremer. "Por causa do fumo e do stresse. Porque o pai dele decidiu que um gato era mais importante."
"Isso não é justo, Eva! Eu sou bombeiro, tenho de tomar decisões difíceis! Salvei dezenas de pessoas hoje!"
"Mas não a tua família."
A médica, que tinha assistido a tudo em silêncio, pigarreou.
"Senhor, a sua mulher precisa de calma. E nós precisamos de a levar para uma cirurgia de emergência."
O Leo olhou para mim, finalmente com um pingo de medo nos olhos.
"Eva, eu..."
"Quero o divórcio, Leo," interrompi-o. O quarto ficou em silêncio. "Quando isto tudo acabar, quero o divórcio."