A cirurgia foi um borrão de luzes brancas, vozes abafadas e uma sensação de vazio avassaladora.
Quando acordei, o quarto estava silencioso. A minha mãe dormia na cadeira ao lado da minha cama. Olhei para a minha barriga. Estava coberta por um lençol, mas eu sentia. Estava diferente. Estava vazia.
Uma enfermeira entrou suavemente. O seu sorriso era triste.
"Lamento muito, Senhora Eva. Fizemos tudo o que podíamos."
As lágrimas vieram sem som. Um choro mudo, que rasgava por dentro. O meu filho. O meu bebé, que eu tinha carregado durante nove meses, tinha-se ido.
O Leo não estava lá.
Mais tarde, a minha mãe acordou e abraçou-me, chorando comigo. O seu silêncio era mais reconfortante do que quaisquer palavras poderiam ser.
O telemóvel dela tocou. Era o Miguel, o meu padrasto e pai da Sofia. A minha mãe atendeu, a voz ainda fraca.
"Miguel..."
A voz dele explodiu do outro lado, tão alta que eu conseguia ouvir cada palavra.
"Helena! Que raio se passa com a tua filha? O Leo ligou-me, a chorar! Divórcio? Ela enlouqueceu?"
A minha mãe encolheu-se. "Miguel, por favor, agora não. A Eva... ela perdeu o bebé."
Houve uma pausa. Pensei que talvez ele sentisse um pingo de remorso. Enganei-me.
"Perdeu o bebé? Bem, talvez seja melhor assim! Uma mulher tão instável e dramática não devia ser mãe! Em vez de apoiar o Leo, um herói que passou o dia a salvar vidas, ela cria este drama todo por causa de uma decisão de segundos!"
A minha mãe desligou o telemóvel, o rosto pálido de raiva e mágoa.
"Não ligues, filha. Ele não sabe o que diz."
Mas ele sabia. Ele sabia exatamente o que estava a dizer. Para ele, para a Sofia, para o Leo, eu e a minha mãe éramos o problema. Éramos o fardo.
O meu telemóvel vibrou na mesa de cabeceira. Era uma mensagem do Leo.
"Eva, eu sei que estás magoada. Mas pedir o divórcio numa altura destas é cruel. Pensa em tudo o que passámos. Eu amo-te. Por favor, não desistas de nós."
Eu amo-te. A frase parecia uma piada de mau gosto.
Ele não me amava. Ele amava a ideia de mim, a ideia de uma família que o fazia parecer normal. Mas quando teve de escolher, ele não me escolheu. Ele não escolheu o nosso filho.
Peguei no telemóvel e comecei a escrever uma resposta, mas apaguei-a. Não valia a pena.
Em vez disso, bloqueei o número dele. Depois o da Sofia. E o do Miguel.
Senti um clique na minha cabeça. Uma porta a fechar-se. Era o fim. Não havia mais nada a discutir.