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A estrada de barro se estendia quente sob o sol do início da tarde quando a carroça de Alceu parou diante da sede da fazenda. Clara desceu com cuidado, os pés inchados pela longa viagem, e ergueu o olhar para a casa grande, com varanda de madeira e um segundo andar imponente.
Antes mesmo que pudesse bater, a porta se abriu. Uma mulher de expressão prática e olhar atento surgiu no batente.
- Você deve ser Clara. Eu sou Rosa, governanta da casa.
- Muito prazer.
- O senhor Garcia achou que chegaria mais cedo. Teve uma urgência no curral com um bezerro doente, teve que sair. Deve voltar no final da tarde, antes do jantar. Mas Cândida te espera na cozinha.
Rosa apontou o caminho pelo corredor de piso encerado, e Clara foi guiada por dentro da casa. Era grande, espaçosa, com janelas altas e móveis pesados. Subiram rapidamente ao andar de cima.
- Seu quarto é uma suíte - disse Rosa, abrindo uma porta ao final do corredor. - Banho no banheiro ao lado, água fresca no balde. Se ajeite. Depois vá até a cozinha. Imagino que esteja faminta a esse horário.
- Bastante, confesso - respondeu Clara, agradecida.
Desceu após se lavar, sentindo-se mais leve. A cozinha era ampla, com cheiro de alho dourado e pano limpo. Uma mulher de braços roliços e sorriso caloroso a esperava junto ao fogão à lenha.
- Ah, até que enfim! - disse a cozinheira. - Sou Cândida. Senta aí, moça. Já deixei tudo separado. Patrão achava que você vinha no caminhão das nove. Ainda bem que cheguei cedo, senão perdia o almoço.
Clara sentou e comeu devagar. Arroz soltinho, feijão grosso, carne macia e um copo de suco de caju. Olhava ao redor, discreta, notando o esmero do ambiente.
Tanta atenção, comida fresca, quarto só para ela... tudo aquilo parecia cuidado demais para uma simples empregada.
Ia comentar com Cândida, mas antes que pudesse falar, Rosa voltou à porta da cozinha:
- Quando terminar, me procure. Quero lhe mostrar o resto da casa.
Clara assentiu, depois do almoço, Rosa reapareceu no corredor com o mesmo ar prático de antes, e um leve tom de gentileza na voz.
- Vamos, Clara. Vou lhe mostrar a casa antes que o patrão volte.
Subiram pela escada de madeira polida. O andar de cima era amplo, iluminado por janelas altas com cortinas brancas esvoaçantes. Enquanto caminhavam, Rosa apontava com precisão:
- A casa tem cinco quartos, além do seu. A maioria fica vazia, mas o patrão gosta de manter tudo em ordem. Aqui é o quarto de leitura, aquele ao lado é o de costura, e mais adiante, o escritório dele. A cozinha fica no andar de baixo, claro. E nos fundos temos uma horta bem cuidada. Aonde eu ajudo a manter tudo sob controle.
Clara absorvia cada detalhe, surpresa com o tamanho da casa. Era mais que uma fazenda - parecia uma pequena mansão rural.
O corredor do segundo andar era largo, iluminado por uma grande janela no meio do caminho. Dali, podia-se ver uma parte dos fundos da fazenda.
Rosa parou diante da vidraça e apontou com o queixo.
- Aquelas casas lá embaixo são para alguns funcionários que ficam mais tempo por aqui. A maior é a minha. Moro lá com meu marido, que cuida do galpão de sementes e das entregas, e com nossa filha, Lucimar. Ela está no quarto da menina agora, ajudando a cuidar.
Clara olhou para as casinhas com uma pontada de esperança. Eram simples, mas pareciam acolhedoras. Tiveram silêncio por um momento, até Rosa falar:
- Quer conhecê-la?
- Claro - respondeu Clara de imediato.
Rosa guiou-a até a porta ao lado do quarto que seria o seu. Bateu duas vezes e empurrou a porta com cuidado.
Lá dentro, o cheiro de sabão e talco era suave. Lucimar, uma moça de tranças bem feitas e vestido florido, estava sentada na poltrona, embalando nos braços uma menina pequena, de rosto delicado e expressão calma. Maria Cecília.
- Essa é Clara - disse Rosa com um meio sorriso. - Vai ajudar com a pequena agora.
Lucimar se levantou um pouco e sorriu, acolhedora.
- Você quer pegá-la?
Clara assentiu, estendendo os braços com cuidado. Maria Cecília se aconchegou em seu colo com naturalidade, como se a conhecesse. Clara ficou surpresa com o quão leve e pequena ela era.
- Ela é tão... frágil.
- Sempre foi - explicou Rosa, encostando-se no batente. - Nasceu antes do tempo, bem pequena. E nunca mamou no peito da mãe. A saúde dela é sensível desde então.
Houve uma pausa. Rosa não completou a frase, mas Clara entendeu, ou achou que entendeu. A mãe da criança não estava mais ali. "Deve ter morrido", pensou, captando o silêncio carregado no olhar de Lucimar.
Ela olhou a menina com ternura. Os cabelos finos, a pele pálida... e ali, uma lembrança dolorida veio à tona: sua irmã, sete anos mais velha que Maria Cecília, mas igualmente órfã de mãe. Abandonada ao destino.
E segurando aquela criança frágil, Clara sentiu pela primeira vez um fio de esperança.
Se fizesse as coisas direito. Se conseguisse espaço ali. Se o patrão permitisse, talvez um dia ela também tivesse sua própria casinha, como Rosa. E quando a poeira baixasse, poderia buscar a irmã. Dar a ela o que nunca tiveram: um lar de verdade.
Fez uma nota mental: "Ligar para Lia assim que der."
Maria Cecília adormeceu em seus braços. E Clara, de alguma forma, também se aquietou por dentro.