O meu filho, Lucas, morreu no seu sexto aniversário.
Ele morreu de uma reação alérgica a amendoins.
O seu pai, meu marido, Miguel, foi quem lhe deu o bolo de amendoim.
Naquele dia, eu estava a trabalhar horas extras, presa numa reunião urgente que não podia abandonar.
Miguel ligou-me, a sua voz cheia de pânico.
"Sofia, o Lucas não consegue respirar! Os lábios dele estão azuis!"
O meu mundo parou.
"Miguel, o que é que ele comeu? Deste-lhe alguma coisa com amendoim? Usa o EpiPen! Está na gaveta da cozinha, a da direita!"
Eu gritei para o telefone, o meu corpo todo a tremer.
Ouvi um barulho de coisas a cair, o som de pânico do outro lado da linha.
"Não consigo encontrar! Onde é que o puseste? Sofia, vem para casa agora!"
A sua voz era uma acusação. Como se a culpa fosse minha.
Desliguei, agarrei na minha mala e saí a correr do escritório, ignorando os olhares confusos dos meus colegas.
Quando cheguei ao hospital, era tarde demais.
O médico, um homem de meia-idade com olhos cansados, disse-me as palavras que nenhuma mãe quer ouvir.
"Lamento, fizemos tudo o que podíamos."
O corpo do meu filho estava deitado numa cama de hospital, pequeno e imóvel.
Miguel estava sentado ao lado dele, a cabeça entre as mãos.
Ele não estava a chorar. Apenas sentado ali, em silêncio.
"Porque é que lhe deste amendoins, Miguel?" A minha voz era um sussurro, rouca de descrença.
Ele levantou a cabeça. Os seus olhos estavam vermelhos, mas secos.
"Foi a minha mãe. Ela trouxe o bolo. Ela disse que era de chocolate. Eu não sabia."
A sua mãe. Clara.
A mulher que nunca me aceitou. A mulher que sempre disse que as alergias do Lucas eram "frescura" minha, uma invenção para chamar a atenção.
A dor no meu peito era física. Era pesada, esmagadora.
Eu queria gritar com ele, bater-lhe, perguntar-lhe como é que ele podia ser tão descuidado.
Mas eu não conseguia. Estava paralisada.
O meu telemóvel tocou. Era a minha mãe.
"Querida, como está o meu neto? O Miguel não me atende."
Não consegui responder. As palavras não saíam.
Miguel pegou no telefone da minha mão.
"Mãe," ele disse, a sua voz monótona. "O Lucas... ele não resistiu."
Um silêncio pesado encheu a linha, seguido por um grito de dor da minha mãe.
Eu olhei para o meu marido. Naquele momento, ele era um estranho para mim.
A dor que eu sentia não era partilhada. Era só minha.
Ele estava de luto pela perda do seu filho.
Eu estava de luto pela perda do meu filho, às mãos do seu pai e da sua avó.
O funeral foi dois dias depois.
Clara veio até mim, o seu rosto uma máscara de falsa tristeza.
"Sofia, eu sinto muito. Eu não sabia. Pensei que ele já tinha superado essa alergia. Crianças superam estas coisas."
As suas palavras eram vazias.
Eu olhei para ela, diretamente nos olhos.
"Tu sabias, Clara. Eu disse-te centenas de vezes. Ele nunca superou."
Ela recuou, ofendida.
"Como te atreves a acusar-me? Foi um acidente! Estás a culpar uma avó de luto?"
Miguel interveio, colocando um braço à volta dos ombros da sua mãe.
"Sofia, para com isso. A minha mãe já está a sofrer o suficiente. Não precisamos disto agora."
Ele defendeu-a.
Naquele momento, em frente ao caixão aberto do meu filho, eu tomei uma decisão.
Quando a última pessoa saiu, eu virei-me para o Miguel.
"Eu quero o divórcio."