Nos dias que se seguiram, a casa ficou insuportavelmente silenciosa.
Cada canto guardava uma memória do Lucas. O seu pequeno casaco pendurado perto da porta, os seus sapatos de dinossauro alinhados ao lado dos meus.
Eu não conseguia tocar em nada. Mover qualquer coisa parecia uma traição.
Miguel não me ligou. Eu também não lhe liguei. O nosso casamento tinha acabado naquela noite, com a porta a bater atrás dele.
Em vez disso, recebi uma chamada de um número desconhecido.
"Sofia? É a Ana, a mãe do Tiago da escola do Lucas."
A sua voz era hesitante.
"Sim, Ana. Olá."
"Olha, eu sinto muito pela tua perda. O Tiago sente muito a falta do Lucas. Todos nós sentimos."
"Obrigada." A minha voz era monótona.
"A razão pela qual estou a ligar... é um pouco estranha. Eu não sei se devia, mas sinto que precisas de saber."
Senti um aperto no estômago.
"Saber o quê?"
"No dia da festa do Lucas... eu vi a mãe do Miguel, a Clara, a chegar com o bolo. Ela parecia... satisfeita. E eu ouvi-a a falar com outra mãe. Ela disse algo como, 'Vamos ver se esta frescura é real ou não'."
O telefone quase caiu da minha mão.
O ar foi-me roubado dos pulmões.
Não foi um acidente.
Não foi negligência.
Foi intencional.
"Ana... tens a certeza?"
"Tenho. Eu não pensei muito nisso na altura. Pareceu-me um comentário cruel, mas nunca imaginei... Sofia, eu sinto tanto. Eu devia ter dito alguma coisa."
"Não, Ana. Não é tua culpa. Obrigada por me dizeres. Obrigada."
Desliguei o telefone. O meu corpo estava gelado.
A imagem de Clara, com o seu sorriso falso no funeral, surgiu na minha mente.
"Vamos ver se esta frescura é real ou não."
Ela testou. Ela usou o meu filho como uma experiência. E a experiência falhou. O meu filho morreu.
Uma raiva pura e fria encheu-me, substituindo a dor.
Peguei no meu telemóvel e disquei o número do Miguel.
Ele atendeu ao segundo toque.
"Sofia? Mudaste de ideias sobre o divórcio?" A sua voz tinha um tom de esperança presunçosa.
"A tua mãe matou o nosso filho de propósito."
As palavras saíram diretas, sem emoção.
Houve um silêncio do outro lado.
"O que estás a dizer? Enlouqueceste?"
"A Ana, a mãe do Tiago, ouviu-a. Ela disse que ia testar a 'frescura' do Lucas. Ela sabia o que estava a fazer, Miguel."
"Isso é ridículo! A Ana deve ter ouvido mal! A minha mãe nunca faria isso!"
A sua negação era instantânea, automática.
"Abre os olhos, Miguel! Ela odiava-me! Ela ressentia o Lucas! Ela fez isto!"
"Tu é que a odeias! Estás a usar a morte do nosso filho para atacar a minha mãe! És doente, Sofia!"
"Eu vou à polícia, Miguel."
"Faz o que quiseres! Eles vão rir-se na tua cara! Não tens provas! Só a palavra de uma mulher ciumenta contra a de uma avó de luto!"
Ele desligou.
Eu olhei para o telefone na minha mão.
Ele tinha razão. Eu não tinha provas. Era a minha palavra contra a dela.
Mas eu não ia desistir.
Se o sistema não me desse justiça, eu encontraria a minha própria.
Clara ia pagar pelo que fez ao meu filho.