Miguel olhou para mim, a sua expressão uma mistura de choque e raiva.
"Divórcio? Estás a falar a sério? O nosso filho acabou de morrer e estás a pensar em divórcio?"
A sua voz subiu de tom, ecoando na casa vazia que antes estava cheia do riso do Lucas.
"O nosso filho morreu por causa da tua negligência e da maldade da tua mãe."
Eu disse as palavras calmamente, cada uma delas um peso no meu coração.
"Não foi negligência! Foi um acidente!" ele gritou, o seu rosto vermelho de fúria.
"Tu sabes que ela nunca gostou de mim. Sabes que ela pensava que a alergia do Lucas era uma mentira. E mesmo assim, deixaste-a trazer um bolo para a festa dele sem verificar."
"Eu confiei na minha mãe! O que há de errado nisso?"
Ele deu um passo na minha direção, o seu corpo tenso.
"O que há de errado é que o nosso filho está morto, Miguel! Morto!"
A minha própria voz quebrou na última palavra. As lágrimas que eu tinha segurado finalmente começaram a cair.
"E tu defendes-a. Tu ficas do lado dela. Como se a vida do Lucas não significasse nada."
"Claro que significa!" ele retorquiu, a sua raiva a diminuir um pouco, substituída por uma ponta de desespero. "Ele era meu filho também, Sofia!"
"Então porque é que não estás de luto? Porque é que a única coisa que consegues fazer é defender a tua mãe?"
Ele passou as mãos pelo cabelo, um gesto de frustração que eu conhecia tão bem.
"Eu estou de luto, à minha maneira! O que queres que eu faça? Que me atire ao chão a chorar? Isso não o vai trazer de volta!"
"Eu quero que assumas a responsabilidade! Eu quero que olhes para mim e digas que erraste! Que devias ter protegido o nosso filho!"
Ele ficou em silêncio.
O silêncio foi a sua resposta.
Ele não conseguia. Ele não o faria.
A sua lealdade não era para comigo, nem para com a memória do nosso filho. Era para com a sua mãe.
"Arruma as tuas coisas," eu disse, a minha voz agora fria como gelo. "Eu quero que saias."
"Não podes expulsar-me da minha própria casa!"
"Esta casa foi comprada com o dinheiro da herança do meu pai. Está no meu nome. Podes sair, ou eu chamo a polícia."
Ele olhou para mim, os seus olhos cheios de um ódio que eu nunca tinha visto antes.
Ele não disse mais nada. Virou-se, subiu as escadas e, vinte minutos depois, desceu com uma mala.
Ele parou à porta.
"Vais arrepender-te disto, Sofia."
Depois, ele saiu.
Eu fiquei ali, no meio da sala de estar, rodeada pelas memórias do Lucas. Os seus brinquedos ainda estavam no chão. O seu desenho da nossa família ainda estava preso no frigorífico.
Pai, mãe e Lucas. Uma família feliz.
Uma mentira.
Sentei-me no chão e chorei. Chorei pelo meu filho. Chorei pelo meu casamento desfeito. Chorei pela vida que eu tinha perdido.