Útero Vazio, Alma Partida
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Capítulo 3

Dois dias depois, tive alta.

O Diogo veio buscar-me.

Ele parecia cansado. Tinha olheiras escuras e a barba por fazer.

Ele tentou abraçar-me, mas eu recuei.

O seu rosto mostrava dor.

"Ana, por favor."

Não respondi. Apenas entrei no carro.

O caminho para casa foi em silêncio.

Eu olhava pela janela, as ruas passavam por mim como um filme desfocado.

Ele ligou o rádio. Uma música alegre começou a tocar.

Desliguei-o.

Ele suspirou.

"Eu sei que estás zangada. Tens todo o direito. Mas temos de falar."

"Não há nada para falar."

"Claro que há! Somos um casal. Perdemos o nosso filho. Precisamos de nos apoiar um ao outro."

"Tu não estavas lá para me apoiar quando eu precisei."

"Eu já pedi desculpa! O que mais queres que eu faça?"

A sua voz estava a ficar mais alta, cheia de frustração.

"Quero o meu filho de volta."

Disse-o em voz baixa, mas as palavras pairaram no ar entre nós, pesadas e impossíveis.

Ele bateu no volante com força.

"Eu também quero! Achas que eu não o quero? Ele era o meu filho!"

As lágrimas escorriam pelo seu rosto.

Era a primeira vez que o via chorar desde... sempre.

Uma parte de mim sentiu pena. A outra parte sentiu repulsa.

As suas lágrimas não mudavam nada.

Quando chegámos a casa, o quarto do bebé estava de porta fechada.

Ele tinha pintado o quarto de azul claro. O berço que montámos juntos estava no canto.

Tudo estava pronto para o Lucas.

Passei pela porta sem olhar.

Fui para o nosso quarto e comecei a fazer as minhas malas.

O Diogo apareceu à porta, o seu rosto pálido.

"O que estás a fazer?"

"Vou-me embora."

"Embora? Para onde?"

"Para longe de ti."

Ele correu para mim e agarrou-me nos braços.

"Não. Não podes fazer isto. Ana, eu amo-te. Nós podemos superar isto, juntos."

"Larga-me, Diogo."

A minha voz era fria.

"Não! Eu não te vou deixar ir!"

Os seus dedos apertaram-se nos meus braços. Doía.

"Tu escolheste a Sofia em vez de mim e do teu filho. Não há 'nós'. Não há 'juntos'. Acabou."

Empurrei-o com toda a minha força.

Ele tropeçou para trás, surpreendido.

Peguei na minha mala e saí do quarto.

Ele não me seguiu.

Fiquei na casa da minha amiga Clara.

Ela abraçou-me com força na porta.

"Eu sinto muito, Ana."

Comecei a chorar. Pela primeira vez desde que o Lucas morreu.

Chorei por horas. Chorei pelo meu filho, pela minha vida desfeita, pela pessoa que eu costumava ser.

            
            

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