Dois dias depois, tive alta.
O Diogo veio buscar-me.
Ele parecia cansado. Tinha olheiras escuras e a barba por fazer.
Ele tentou abraçar-me, mas eu recuei.
O seu rosto mostrava dor.
"Ana, por favor."
Não respondi. Apenas entrei no carro.
O caminho para casa foi em silêncio.
Eu olhava pela janela, as ruas passavam por mim como um filme desfocado.
Ele ligou o rádio. Uma música alegre começou a tocar.
Desliguei-o.
Ele suspirou.
"Eu sei que estás zangada. Tens todo o direito. Mas temos de falar."
"Não há nada para falar."
"Claro que há! Somos um casal. Perdemos o nosso filho. Precisamos de nos apoiar um ao outro."
"Tu não estavas lá para me apoiar quando eu precisei."
"Eu já pedi desculpa! O que mais queres que eu faça?"
A sua voz estava a ficar mais alta, cheia de frustração.
"Quero o meu filho de volta."
Disse-o em voz baixa, mas as palavras pairaram no ar entre nós, pesadas e impossíveis.
Ele bateu no volante com força.
"Eu também quero! Achas que eu não o quero? Ele era o meu filho!"
As lágrimas escorriam pelo seu rosto.
Era a primeira vez que o via chorar desde... sempre.
Uma parte de mim sentiu pena. A outra parte sentiu repulsa.
As suas lágrimas não mudavam nada.
Quando chegámos a casa, o quarto do bebé estava de porta fechada.
Ele tinha pintado o quarto de azul claro. O berço que montámos juntos estava no canto.
Tudo estava pronto para o Lucas.
Passei pela porta sem olhar.
Fui para o nosso quarto e comecei a fazer as minhas malas.
O Diogo apareceu à porta, o seu rosto pálido.
"O que estás a fazer?"
"Vou-me embora."
"Embora? Para onde?"
"Para longe de ti."
Ele correu para mim e agarrou-me nos braços.
"Não. Não podes fazer isto. Ana, eu amo-te. Nós podemos superar isto, juntos."
"Larga-me, Diogo."
A minha voz era fria.
"Não! Eu não te vou deixar ir!"
Os seus dedos apertaram-se nos meus braços. Doía.
"Tu escolheste a Sofia em vez de mim e do teu filho. Não há 'nós'. Não há 'juntos'. Acabou."
Empurrei-o com toda a minha força.
Ele tropeçou para trás, surpreendido.
Peguei na minha mala e saí do quarto.
Ele não me seguiu.
Fiquei na casa da minha amiga Clara.
Ela abraçou-me com força na porta.
"Eu sinto muito, Ana."
Comecei a chorar. Pela primeira vez desde que o Lucas morreu.
Chorei por horas. Chorei pelo meu filho, pela minha vida desfeita, pela pessoa que eu costumava ser.