O cheiro a desinfetante no hospital era sufocante.
Eu estava ali, com o braço engessado, depois de um acidente de carro que quase me custou a vida.
Atrás de mim, o meu namorado, Leo, falava ao telemóvel com a mãe, minimizando a minha dor.
"A Ana? Ah, ela só partiu um braço. Não é nada de grave."
A sua voz era leve, vazia de preocupação.
Ele tinha o meu namorado, a pessoa que eu amava, tinha-me deixado presa nos destroços, a sangrar, para socorrer o pai dele, que tinha uma fratura ligeira na perna.
«Mais urgente?», perguntei, a minha voz rouca, sem conseguir conter a incredulidade e a traição.
Ele justificou-se com a maior naturalidade, como se fosse óbvio: "Sim, ele é mais velho. Tu és jovem, recuperas depressa."
Ali, naquele leito de hospital, percebi que nunca seria a sua prioridade.
Nem mesmo quando a minha vida estava em risco.
Foi naquele momento que a minha desilusão se transformou em decisão.
"Leo, vamos terminar", disse, com uma calma que me surpreendeu.
Mas a confusão e a raiva dele foram imediatas, seguidas de uma incessante onda de manipulação vinda dele e da sua família.
Mensagens, chamadas, presentes, e acusações de que eu era egoísta e ingrata.
Eu, a vítima, estava a ser culpada.
«Estás a ser egoísta, Ana. O Leo precisa de ti agora. A nossa família passou por um trauma», dizia a mãe dele, ignorando completamente o meu.
Mas não era apenas a dor do abandono que me assombrava.
Era a constatação de que o homem que eu amava era um estranho que me via como uma segunda opção, descartável.
O que eu não esperava era que a sua obsessão o levasse a passar de suplicante a perseguidor.
Fotos minhas tiradas à distância, do lado de fora do meu apartamento, revelaram o horror: ele estava a vigiar-me.
Aquele que um dia prometeu cuidar de mim, agora era a minha maior ameaça.
Quando ele me encurralou na rua, com uma chave de fendas na mão, a minha vida não era mais sobre recuperar de um acidente.
Era sobre lutar pela minha liberdade, pela minha sanidade, e por fim, pela minha vida.
Estaria eu condenada a ser a sua posse ou teria finalmente a força para me levantar e salvar-me?