O cheiro a desinfetante no hospital era forte, quase me sufocava.
Eu estava sentada numa cadeira de rodas, empurrada por uma enfermeira. O meu braço esquerdo estava engessado, pendurado à frente do meu peito.
Atrás de mim, o meu namorado, Leo, falava ao telemóvel com a sua mãe.
"Mãe, não te preocupes, a perna do pai está bem, o médico disse que é só uma fratura ligeira, vai recuperar depressa."
"A Ana? Ela está bem, só partiu um braço. Não é nada de grave."
A sua voz era leve, como se estivesse a falar do tempo.
Ele desligou o telemóvel e deu uma palmadinha no meu ombro.
"Ouviste? O meu pai está bem. Sinto muito, tive de o levar primeiro ao hospital. A situação dele era mais urgente."
Olhei para o gesso no meu braço.
"Mais urgente?"
A minha voz saiu rouca.
"Sim, ele é mais velho, os ossos são mais frágeis. Tu és jovem, recuperas depressa."
Ele disse isto com naturalidade, como se fosse a verdade mais óbvia do mundo.
No acidente de carro, o carro dele bateu no nosso. O pai dele estava no banco do passageiro, e eu estava no banco de trás.
O carro capotou.
Lembro-me de o ter chamado, a minha voz a tremer.
Ele saiu do carro, olhou para mim e depois para o pai dele, que gemia de dor.
Ele escolheu ajudar o pai primeiro.
Deixou-me presa nos destroços, a sangrar, à espera dos bombeiros.
Agora, ele diz que a situação do pai era mais urgente.
Uma fratura ligeira na perna contra um braço partido e múltiplas contusões.
"Leo, vamos terminar."
Eu disse isto com calma, olhando diretamente para ele.
Ele franziu a testa, parecendo confuso.
"Terminar? Porquê? Por causa disto? Ana, não sejas infantil. Eu estava numa situação difícil, tive de fazer uma escolha."
"Sim, tu fizeste uma escolha."
"Exato. E agora estamos todos bem. O meu pai está a descansar, e tu foste tratada. Qual é o problema?"
O problema era que, naquele momento, eu percebi que nunca seria a sua prioridade.
Nem mesmo quando a minha vida estava em risco.
Ele olhou para o relógio.
"Tenho de ir ver o meu pai. A minha mãe está a chegar. Fica aqui e descansa. Falamos mais tarde."
Ele virou-se para sair, sem esperar pela minha resposta.
"Leo."
Chamei-o.
Ele parou, mas não se virou.
"O anel. Devolve-mo."
Ele ficou em silêncio por um momento. Depois, tirou um pequeno anel de prata do dedo mindinho e colocou-o na mesa ao meu lado.
Era o anel que eu lhe tinha dado no nosso primeiro aniversário.
"Se é isso que queres."
E saiu.
Fiquei a olhar para o anel. Pequeno, simples, barato.
Como o meu amor por ele, que agora parecia igualmente insignificante.
A enfermeira voltou com os meus papéis da alta.
"Está pronta para ir, menina?"
Abanei a cabeça, tentando afastar as lágrimas.
"Sim. Estou pronta."