Cheguei a casa e o apartamento estava escuro e silencioso.
Leo não estava lá. Provavelmente ainda estava no hospital com a família.
Liguei a luz.
O nosso retrato, pendurado na parede da sala, pareceu zombar de mim.
Dois rostos sorridentes, congelados num tempo que já não existia.
Tirei o quadro da parede e pu-lo no chão, virado para baixo.
Não queria olhar para ele.
O meu telemóvel tocou. Era a mãe do Leo, a Sofia.
Atendi.
"Ana, querida, como estás? O Leo disse-me que partiste o braço. Sinto muito."
A sua voz era melosa, mas eu conseguia sentir a falsidade.
"Estou bem, obrigada."
"Que bom. O pai do Leo está a descansar. Foi um grande susto para todos nós. Sabes como ele é, já não tem idade para estas coisas."
Ela fez uma pausa, esperando que eu concordasse.
"O Leo disse-me que vocês tiveram uma pequena discussão. Ele está muito em baixo."
Pequena discussão. Era assim que ela chamava?
"Não foi uma discussão, Sofia. Nós terminámos."
Ouvi-a suspirar do outro lado da linha.
"Ana, não sejas precipitada. Os homens são assim. A família vem sempre em primeiro lugar. Devias entender isso. Um dia, quando te casares com o Leo, vais perceber."
"Eu não me vou casar com o Leo."
"Não digas isso. Vocês os dois amam-se. Foi só um momento de pânico. Ele teve de tomar uma decisão rápida. O pai dele estava a gritar de dor. O que é que ele podia fazer?"
Deixar-me presa no carro. Era isso que ele podia fazer.
"Eu compreendo a decisão dele. E tomei a minha. Acabou."
"Estás a ser egoísta, Ana. Estás a pensar só em ti. O Leo precisa de ti agora. A nossa família passou por um trauma."
A nossa família. Eu nunca fiz parte dela, pois não?
Eu era apenas a namorada. Descartável.
"Tenho de desligar, Sofia. Estou cansada."
"Espera! O Leo ama-te. Ele comprou-te um presente. Ia dar-to hoje à noite, antes do acidente."
Um presente?
Isso devia fazer-me sentir melhor?
"Não quero nenhum presente."
"É um colar. Muito bonito. Ele poupou durante meses para o comprar. Não podes simplesmente deitá-lo fora assim."
A sua voz tornou-se suplicante.
"Adeus, Sofia."
Desliguei antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa.
Bloqueei o número dela. E o do Leo também.
Não queria mais ouvir as suas desculpas, as suas manipulações.
Sentei-me no sofá. O silêncio da casa era ensurdecedor.
Pela primeira vez em três anos, eu estava sozinha.
E, estranhamente, senti um alívio.