O meu filho morreu no dia do seu primeiro aniversário.
Foi um acidente de carro. Eu estava ao volante.
O carro do meu marido, Léo, foi atingido por um camião desgovernado, e o nosso pequeno Alex, que estava na cadeirinha atrás de mim, não sobreviveu ao impacto.
Eu saí com apenas alguns arranhões. Léo partiu um braço.
No hospital, o médico entregou-me o corpo frio do meu filho, envolto num lençol branco.
"Sinto muito, senhora. Fizemos o nosso melhor."
O mundo desabou. O ar faltou-me nos pulmões.
A minha sogra, Helena, correu para mim, mas não para me consolar.
Ela arrancou o corpo de Alex dos meus braços e gritou.
"Assassina! Tu mataste o meu neto! Porque é que não foste tu a morrer?"
O seu grito ecoou pelo corredor do hospital. As pessoas olhavam.
Eu não conseguia responder. A minha garganta estava fechada.
Léo, com o braço na tipóia, aproximou-se e abraçou a sua mãe.
"Mãe, acalma-te. Não fales assim."
Ele olhou para mim, e os seus olhos estavam frios, vazios de qualquer conforto.
"A Helena está apenas perturbada, Sofia. Não leves a mal."
Não levar a mal? Ela tinha-me chamado de assassina. Ela culpou-me pela morte do nosso filho. E ele pedia-me para não levar a mal.
Naquele momento, algo dentro de mim quebrou-se.
O amor que eu sentia por Léo, a esperança que eu tinha na nossa família, tudo se estilhaçou.
Eu queria gritar que o acidente não foi culpa minha. Que o camião veio do nada, que eu desviei o máximo que pude para o proteger.
Mas as palavras não saíam.
O meu sogro, Ricardo, um homem que raramente falava, pôs a mão no ombro da sua mulher.
"Helena, já chega. Vamos levar o Alex para casa."
Eles foram-se embora, levando o meu filho com eles.
Léo foi com eles.
Deixaram-me sozinha no corredor frio do hospital, com o cheiro a desinfetante e a morte.
O meu telemóvel tocou. Era a minha irmã, Clara.
"Sofia? O que aconteceu? A Helena ligou-me a gritar. Onde está o Alex?"
A minha voz finalmente saiu, um sussurro rouco.
"Ele morreu, Clara."
Silêncio do outro lado da linha. Depois, um soluço contido.
"Estou a ir para aí."
Sentei-me num banco de plástico duro, a olhar para as minhas mãos vazias. As mãos que deveriam estar a segurar o meu filho.
Eu não chorei. As lágrimas pareciam ter secado para sempre.
Apenas um vazio gelado preenchia o meu peito.
Léo e a sua família não me queriam no funeral.
"É melhor assim, Sofia. A Helena não consegue olhar para ti agora. Dê-lhe algum tempo."
Foi o que Léo me disse ao telefone.
Tempo. Como se o tempo pudesse trazer o meu filho de volta. Como se o tempo pudesse apagar a palavra "assassina" dos meus ouvidos.
Eu fui mesmo assim. Fiquei no fundo do cemitério, atrás de uma árvore, a observar de longe.
Vi a Helena a chorar histericamente sobre o pequeno caixão branco. Vi o Léo a abraçá-la, a consolá-la.
Eles pareciam uma família unida na sua dor.
Eu era a estranha. A culpada.
Quando todos se foram embora, aproximei-me do monte de terra fresca. Ajoelhei-me e toquei na terra húmida.
"Adeus, meu amor," sussurrei. "A mamã ama-te muito."
Uma sombra caiu sobre mim. Era a Clara.
Ela ajoelhou-se ao meu lado e abraçou-me.
Pela primeira vez desde o acidente, eu chorei.
Solucei nos braços da minha irmã, uma dor tão profunda que pensei que me ia rasgar ao meio.