Voltei para casa. A nossa casa.
O quarto do Alex estava exatamente como o tínhamos deixado. O berço, os brinquedos, o cheiro a pó de talco.
Era um santuário doloroso.
Léo chegou tarde nessa noite. Ele não me olhou nos olhos.
"Fizeste o jantar?"
A pergunta dele pairou no ar, absurda, cruel.
Eu olhei para ele, incrédula.
"O nosso filho acabou de ser enterrado, Léo. E tu perguntas-me pelo jantar?"
Ele suspirou, um som de irritação.
"A vida continua, Sofia. Não podemos simplesmente parar de comer."
"Eu não consigo, Léo. Eu não consigo fingir que está tudo normal."
"Ninguém está a pedir para fingires! Mas eu também estou a sofrer! Achas que é fácil para mim? Perdi o meu filho e tenho de cuidar da minha mãe, que está destroçada!"
A sua voz aumentou. A sua dor transformou-se em raiva dirigida a mim.
"E eu?", perguntei, a minha voz a tremer. "Quem cuida de mim? Tu és o meu marido!"
"Eu não posso fazer tudo, Sofia! Tu és forte, sempre foste. Supera isto."
Superar isto.
Ele disse-me para superar a morte do meu filho como se fosse um resfriado.
Naquela noite, dormimos em quartos separados. O silêncio entre nós era mais pesado do que qualquer grito.
Nos dias que se seguiram, a distância tornou-se um abismo.
Léo passava cada vez mais tempo fora de casa. Dizia que estava a trabalhar, ou a ajudar os pais.
Eu sabia que ele me estava a evitar. A evitar a casa. A evitar o fantasma do nosso filho.
A Helena ligava todos os dias. Não para mim, mas para o Léo. Eu ouvia os fragmentos das conversas.
"Ela ainda está aí? Como consegues olhar para a cara dela?"
"Tens de ser forte, meu filho. Por nós."
Eu era um fardo. Uma lembrança viva da tragédia que eles preferiam esquecer.
Uma semana depois do funeral, Léo chegou a casa com uma caixa de cartão.
Ele entrou no quarto do Alex e começou a guardar os seus pertences. As roupas minúsculas, os sapatos que ele nunca chegou a usar.
"O que estás a fazer?", perguntei, parada à porta.
"A Helena acha que é melhor guardarmos estas coisas. Ajuda a seguir em frente."
Ele não parou. Não olhou para mim. As suas mãos moviam-se com uma eficiência fria.
Corri para ele e arranquei um pequeno macacão azul das suas mãos. O meu favorito.
"Não! Não tens o direito!"
"Sofia, para com isso! Só estás a tornar as coisas mais difíceis!"
"Difíceis para quem, Léo? Para ti? Para a tua mãe? E eu? Os meus sentimentos não contam?"
Ele finalmente olhou para mim. A sua expressão era dura.
"Os teus sentimentos estão a destruir-nos. Estás agarrada à dor, e estás a arrastar-me contigo. Eu não posso viver assim."
As suas palavras atingiram-me. Ele não estava a partilhar a dor comigo. Ele estava a fugir dela. E a culpar-me por não conseguir fazer o mesmo.
"Então vai-te embora," disse eu, a voz baixa e firme.
Ele pareceu surpreendido.
"O quê?"
"Se não consegues viver comigo, vai-te embora. Vai para junto da tua mãe. Deixem-me em paz com a minha dor."
Léo ficou em silêncio por um momento. Depois, acenou com a cabeça, largou a caixa e saiu do quarto.
Minutos depois, ouvi a porta da frente fechar-se.
Ele tinha ido embora.
Agarrei-me ao pequeno macacão e sentei-me no chão do quarto vazio do meu filho.
Estava sozinha. Completamente sozinha.