Capítulo 2 Capitulo 2

Daniel Cortez:

A primeira vez que vi Clara Vasconcelos pela câmera do computador, algo em mim relaxou.

Ela parecia real.

Não no sentido de "naturalmente bonita", embora fosse - com os cabelos soltos, uma blusa que visivelmente havia sido desamassada às pressas e um fundo com livros milimetricamente posicionados. Mas real no jeito que os olhos dela piscavam rápido demais, ou no modo como sorriu quando errou o botão da câmera logo de início. Era como se dissesse: "Estou fingindo segurança, me dá só um minuto".

E eu entendi. Porque eu também estava fingindo.

- Clara Vasconcelos? - perguntei, mesmo já tendo certeza.

- Presente - ela respondeu, como se estivesse numa chamada de escola. Sorri antes que pudesse evitar.

A conversa seguiu mais leve do que eu esperava. Ela era espirituosa, afiada, cheia de ironia. E mesmo enquanto confessava, sem nenhum filtro, que sua agenda estava "cheia de rejeições editoriais e boletos vencidos", eu só conseguia pensar que talvez isso funcionasse. Que talvez fosse ela.

Eu não precisava de uma modelo. Eu precisava de alguém que soubesse improvisar. Alguém que conseguisse transformar dez dias de mentira em algo que minha avó não questionasse.

Depois de vinte minutos de conversa, onde ela mais me fez rir do que qualquer outra pessoa tinha feito nos últimos seis meses, eu soube.

- Clara - disse, encostando os cotovelos na mesa. - Antes de prosseguirmos, preciso ser honesto com você.

Ela assentiu, ainda curiosa.

- Essa proposta... não é um capricho. Minha avó me criou como um filho. E, nos últimos anos, ela vem dizendo que quer me ver feliz, acompanhado, estável. Ela está com a saúde mais frágil e, francamente, a única coisa que quero neste Natal é dar a ela essa ilusão.

- E por que não uma namorada de verdade? - ela perguntou, não com julgamento, mas com aquele humor dela, meio ácido, meio curioso.

- Porque namorar exige tempo. Investimento. Vulnerabilidade. E eu só tenho dez dias e uma reputação para preservar. Não posso correr riscos com alguém real que queira... mais.

Ela não respondeu de imediato. Mas seu olhar suavizou, como se, pela primeira vez, ela realmente me visse. Não como o empresário que postou um anúncio maluco, mas como alguém tentando proteger o que restava da sua família.

- E você quer que eu seja a mentira convincente. - disse por fim.

- Exatamente.

Houve uma pausa. Longa o suficiente para eu achar que ela recusaria.

- Posso ser honesta agora?

Assenti.

- Eu estou com o aluguel atrasado. Tô prestes a ser despejada. Tenho uma carreira que não decolou, três rejeições editoriais no último mês e metade de um panetone vencido como ceia garantida. Então, se você realmente precisa de alguém para fingir estar apaixonada por você... bom, eu sou boa em fingir coisas. Sou escritora, afinal.

Dei um leve sorriso, surpreso com a vulnerabilidade dela. Era rara, crua e, ao mesmo tempo, estranhamente encantadora.

- Isso significa que aceita?

- Isso significa que eu aceito... desde que tenha direito a chocolate quente e um quarto com aquecimento. E talvez uma árvore de Natal decente.

Ri, sem conseguir evitar. - Fechado.

Ela também sorriu, mas havia um resquício de hesitação ali. Uma pontinha de medo. E, por alguma razão que ainda não entendo, me senti responsável por tirá-la daquilo.

- Amanhã à tarde, vou te buscar. Vamos fazer um banho de loja. Nada exagerado - acrescentei ao ver seus olhos arregalarem. - Só o suficiente para você não parecer que está fugindo da ceia do mendigo.

- Uau. Você é sempre assim tão gentil com suas falsas namoradas?

- Só com as que me salvam do pânico familiar natalino.

**

No dia seguinte, cheguei ao endereço dela. Era um prédio antigo, claramente mal cuidado, em uma rua onde ninguém deixava o carro com o vidro aberto. Quando ela surgiu no saguão com uma mochila e um sorriso tímido, percebi o quanto estava improvisando ali - sem roteiro, sem garantia de final feliz. Só coragem.

Levamos menos de uma hora na loja. Ela detestava provar roupas, odiava gastar dinheiro - mesmo o meu - e insistiu que não precisava de salto, só de uma bota confortável.

- Se eu tropeçar na frente da sua avó, o plano morre na hora - explicou, tirando a quarta saia de tricô do corpo com um suspiro dramático.

No fim, saiu com dois vestidos elegantes, um sobretudo vermelho e um cachecol de lã que, segundo ela, a fazia parecer uma escritora francesa falida. E, por algum motivo, eu concordei.

No carro, enquanto voltávamos, ela quebrou o silêncio:

- Obrigada. De verdade. Eu sei que, pra você, isso é só um arranjo estratégico. Mas, pra mim, é mais do que isso. É um respiro.

- Ninguém sobrevive sem um respiro, Clara. Você me dá um, eu te dou outro.

Ela olhou para mim como se estivesse vendo algo que ainda não conseguia nomear. E sorriu.

Por algum motivo, aquele sorriso me pareceu mais perigoso do que qualquer verdade que ela poderia esconder.

            
            

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