Dois dias depois, no funeral, a família Patterson apareceu em força.
Afonso, com o seu fato caro e expressão solene, veio direto a mim.
"Minha querida Catarina, as minhas mais profundas condolências. A Helena era uma mulher maravilhosa. Uma perda terrível."
Ele tentou abraçar-me.
Eu dei um passo atrás.
O seu sorriso vacilou por uma fração de segundo. Ele olhou-me nos olhos, e por um instante, vi algo duro e frio por trás da máscara de tristeza.
Pedro estava ao lado dele, segurando a mão da Sofia. A minha filha olhou para mim, os seus olhinhos confusos e tristes.
"Mamã?"
Ajoelhei-me e abracei-a com força. O seu cheiro, o calor do seu pequeno corpo, era a única coisa real neste pesadelo.
"Estou aqui, meu amor. A mamã está aqui."
"A avó Helena foi para o céu?" perguntou ela, a sua vozinha abafada no meu ombro.
"Sim, querida. Foi."
Pedro pousou a mão no meu ombro. "Catarina, vamos. Não é bom para ti ficares aqui sozinha. Vens connosco para casa."
"Esta é a minha casa," respondi, levantando-me e encarando-o.
A sua expressão endureceu. "A nossa casa é onde eu e a nossa filha estamos. Pára com este drama."
"Drama?" A palavra ecoou no silêncio do cemitério. "A minha mãe acabou de ser enterrada, e tu chamas a isto drama?"
Afonso interveio, a sua voz suave como óleo. "Pedro, calma. A Catarina está de luto. É natural. Querida, não te preocupes com nada. Nós cuidamos de tudo. Podes ficar na tua casa o tempo que precisares para processar. Mas sabe que as portas da nossa casa estarão sempre abertas."
Era uma armadilha. Uma oferta de paz que era, na verdade, uma forma de me controlar, de me manter sob a sua vigilância.
"Obrigada, Afonso. Mas eu sei cuidar de mim."
Depois do funeral, eles foram-se embora, levando a Sofia com eles. Prometeram trazê-la de volta no dia seguinte.
Eu não protestei. Precisava de tempo. Precisava de estar sozinha na casa.
Assim que a porta se fechou, comecei a minha busca.
A polícia tinha sido superficial. Uma fuga de gás num fogão antigo? Acidente. Caso encerrado.
Mas a minha mãe era meticulosa. Ela tinha pavor de acidentes domésticos. Verificava o gás todas as noites antes de dormir.
Fui para a cozinha. O fogão velho estava lá, um dinossauro de metal. A polícia tinha-o selado.
Ignorei-o. O meu alvo era outro.
O quarto da minha mãe.
Ela guardava tudo. Recibos, cartas, documentos. A sua vida estava em caixas de sapatos debaixo da cama.
Passei horas a vasculhar tudo. Pó e memórias.
Finalmente, numa caixa velha de biscoitos, encontrei.
Não era uma prova direta. Mas era um começo.
Era um pequeno gravador de voz. E um diário.
A minha mãe, da velha guarda, ainda escrevia um diário.
Abri na última entrada, datada do dia antes da sua morte.
A sua caligrafia, normalmente elegante, estava tremida, apressada.
"Afonso veio cá hoje. Sozinho. Ameaçou-me outra vez. Disse que se eu não convencer a Catarina, ele tem outras formas de resolver as coisas. Formas permanentes. Gravei a conversa. O gravador está no sítio seguro. Tenho medo, não por mim, mas pela minha filha."
O meu coração parou.
Gravei a conversa.
Onde estava o gravador? "O sítio seguro". O que era o sítio seguro dela?
Vasculhei o quarto todo outra vez. Nada.
A frustração queimava-me.
Então, lembrei-me. Uma história que ela me contava quando eu era pequena. Sobre o seu "tesouro secreto".
Corri para a sala de estar. Havia uma lareira antiga que nunca usávamos. Um dos tijolos estava ligeiramente solto.
Com os dedos a tremer, puxei-o.
Atrás dele, num pequeno buraco, estava o gravador.