Apertei o botão de "play".
A voz da minha mãe encheu a sala silenciosa, clara e firme.
"Afonso, por favor, vai-te embora. Já disse que não."
Depois, a voz dele. Arrogante, fria.
"Helena, não sejas tola. É uma casa velha. Eu dou-vos um bom preço. Mais do que vale. A Catarina e o Pedro podem comprar um apartamento novo, moderno. Perto de nós."
"A casa não está à venda. É a única coisa que tenho para deixar à minha filha."
"A tua filha tem um marido para a sustentar. Tem a nossa família. Ela não precisa desta ruína. Tu é que estás a ser egoísta."
"Eu, egoísta? Eu só quero proteger o que é dela. Tu queres isto para o teu filho mais novo, para o Tiago. Porque é que o Pedro tem de ceder sempre tudo ao irmão?"
Houve um som de algo a ser batido na mesa.
"Não fales do que não sabes! O Tiago merece um começo. Esta localização é perfeita para ele. E eu consigo o que quero. Sempre. Se não for por bem... bem, acidentes acontecem. Especialmente em casas velhas como esta. Fugas de gás, curto-circuitos... seria uma pena."
A gravação terminou.
Ouvi-a outra vez. E outra.
Cada palavra era um prego no caixão da minha antiga vida.
Não havia dúvida. Era uma ameaça clara.
Isto, juntamente com o diário, era a minha arma.
No dia seguinte, Pedro trouxe a Sofia. Ele parecia cansado, irritado.
"Já chega de luto, Catarina. A vida tem de continuar. O meu pai arranjou um agente imobiliário para avaliar a casa. É o melhor que podemos fazer."
Olhei para ele. O meu marido. O pai da minha filha. E senti um vazio.
"Não vamos vender a casa, Pedro."
Ele riu, um som sem alegria. "Claro que vamos. Não sejas ridícula. Não podes viver aqui sozinha."
"Eu não estou sozinha. E a casa não é tua para venderes."
Mostrei-lhe o diário da minha mãe. Apontei para a última entrada.
Ele leu. A cor desapareceu do seu rosto.
"Isto... isto não prova nada. A tua mãe estava a imaginar coisas. Estava velha, confusa."
"Ela não estava confusa. E há mais."
Mostrei-lhe o gravador. Não o liguei. Apenas o segurei na minha mão.
"O teu pai ameaçou a minha mãe. No dia antes de ela morrer. Eu tenho a gravação."
Pedro olhou do gravador para o meu rosto. O pânico começou a surgir nos seus olhos.
"Catarina, pensa no que estás a fazer. Estás a acusar o meu pai de... de homicídio? Ele é o teu sogro! O avô da tua filha!"
"Ele é um assassino."
"Estás louca! Vais destruir a nossa família por causa de uma fantasia paranoica!"
"A nossa família já foi destruída, Pedro. No dia em que escolheste o teu pai em vez de mim e da minha mãe."
Ele deu um passo na minha direção, a sua mão levantada. Por um segundo, pensei que ele me ia bater.
Mas a Sofia, que estava a brincar no canto, olhou para nós.
"Papá? Porque estás a gritar com a mamã?"
Pedro baixou a mão. A sua raiva transformou-se em desespero.
"Catarina, por favor. Entrega-me isso. Podemos esquecer tudo isto. Pelo bem da Sofia. Não a faças passar por um escândalo. Não lhe tires os avós."
"Ele tirou-lhe uma avó. A única que realmente importava."
A minha decisão estava tomada.
"Podes ir, Pedro. Leva as tuas coisas. Quero o divórcio."
Ele ficou a olhar para mim, incrédulo.
"Divórcio? Por causa disto? Tu não te atreves."
"Vê-me a fazer isso. E se tentares lutar pela custódia da Sofia, esta gravação vai diretamente para a polícia. E para todos os jornais do país."
O rosto dele ficou pálido. Ele sabia que eu estava a falar a sério.
Ele sabia que tinha perdido.